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Símbolo de RE SISTÊNCIA

Tradução do que Christian Dior acreditava ser o retorno à feminilida­de após os duros anos de guerra, o New Look completa 75 anos. Inverno 2022 da marca enfatiza o visual enquanto o livro ressalta a importânci­a de Catherine, irmã do estilista.

- Por SILVANA HOLZMEISTE­R

Da primeira coleção, Corolle, até a última, Fuseau, criada em 1957, Christian Dior imaginou centenas de vestidos com modelagens elegantes que usavam as linhas H, Y e A para dar forma à silhueta feminina. De todos, apenas um look entrou para a história da moda no século 20. E foi justamente a primeira criação. Talvez estivesse escrito nas estrelas, para citar um dos símbolos mágicos preferidos do superstici­oso Monsieur Dior, que a estreia da marca que levava seu nome, às 10h30 do dia 12 de fevereiro de 1947, mudaria drasticame­nte a forma de as mulheres se vestirem no pós-segunda Guerra Mundial.

Inspirada em uma flor e flertando com a arquitetur­a e o design puro, outras paixões do estilista, a linha Corolle tinha como ícone o Bar suit: jaqueta em xantungue creme com basques arredondad­as, cintura ajustada e busto acentuado por uma estrutura de espartilho sobre uma ampla saia plissada preta. O conjunto era finalizado por um insolente chapéu tambourine, luvas

e escarpins de bico fino. A imagem era uma ruptura com o guarda-roupa de todas as mulheres presentes ao desfile, ainda reflexo do design sem excessos arrematado por sapatos de bico quadrado com sola plataforma, típico dos anos 1940. Dá para imaginar o espanto e o motivo da editora Carmen Snow ter usado a expressão New Look, que se tornaria, para sempre, o apelido popular da impactante invenção, que está completand­o 75 anos.

O sucesso do New Look podia ser medido em números. “Faturament­o de 1,2 milhão de francos da época no primeiro ano, 3,6 milhões em 1948 e 12,7 milhões em 1949”, registra em Histórias da Moda, Didier Grumbach, que esteve à frente da Fédération de la Haute Couture et de la Mode durante 16 anos e foi nome importante na condução de carreiras de estilistas e marcas francesas. Na coleção inverno 2022, desfilada na última semana de moda parisiense, a atual diretora criativa da casa, Maria Grazia Chiuri, reforçou o exercício de modelagem a partir da base original da linha Corolle, reinterpre­tando a icônica jaqueta Bar e, inclusive, sua estrutura interna. O fio condutor da coleção passa pelo livro Miss Dior: A Story of Courage and

Couture, de Justine Picardie, lançado no fim do ano passado. A publicação refaz a vida de Catherine, irmã de Christian Dior, e celebra figuras como Mizza Bricard e Marguerite Carré que contribuír­am para o sucesso de Monsieur Dior. A rede de mulheres em torno dessa sensível figura masculina, por si só, já justificar­ia o interesse da estilista pelo tema, que tem tudo a ver com a visão feminista e de sororidade que ela vem atrelando à imagem da marca. Catherine, a Miss Dior do perfume lançado também em 1947, é figura central. Apesar de ter permanecid­o discreta na construção da marca Christian Dior, ela foi inspiração importante – assim como a mãe, Madeleine –, não como uma musa de moda, mas pela sua força e proximidad­e. “Sua visão de beleza e feminilida­de certamente abrangeu sua irmã, a mulher que ele mais amava no mundo”, comenta Justine. Apesar de ter permanecid­o sempre discreta, é dona de uma história notável durante a Segunda Guerra Mundial, que bem renderia um filme.

Logo no início do conflito, a família Dior se refugiou no interior. Mas no fim de 1941, Christian retornou a Paris e logo depois Catherine conheceu Hervé des Charbonner­ies, o homem que mudaria o curso de sua vida. Foi amor à primeira vista. Herói da Resistênci­a Francesa, era alto, charmoso, bonito, já casado e com três filhos. Como Christian, ele havia estudado na École Libre des Sciences Politiques, em Paris. “Ao se apaixonar por um homem casado, estava desrespeit­ando uma doutrina de sua educação católica, assim como a autoridade patriarcal da França de Vichy (o Estado Francês liderado pelo Marechal Philippe Pétain, durante a Segunda Guerra Mundial), que considerav­a que o lugar da mulher era em casa, como esposa obediente ou filha dócil, subservien­te à autoridade masculina”, comenta a autora, que chama a atenção para o fato de que, àquela altura, as mulheres ainda não tinham direito ao voto na França, apesar de a campanha pelo sufrágio feminino ter começado em 1909.

Para Justine, essa recusa em aceitar convenções piedosas em relação à sua vida pessoal parece refletir-se na disposição em resistir ao regime de Vichy e à ocupação nazista. “Nesse sentido, a crença sincera de Catherine na liberdade torna-se aparente em suas ações e escolhas”, analisa. Rapidament­e, ela passou a ocupar funções importante­s no movimento de resistênci­a, o F2. O codinome de Catherine era Caro. Suas operações clandestin­as incluíam fazer levantamen­tos da costa ao redor de Marselha e desenhar mapas com detalhes da infraestru­tura alemã, fortificaç­ões e minas terrestres, todos transmitid­os aos serviços de inteligênc­ia em Londres. Catherine é descoberta, presa pelos alemães e levada para o campo de concentraç­ão feminino em Ravensbrüc­k. Durante seis meses a família não teve notícias dela. Quando ela finalmente foi solta, morou durante algum tempo com Christian em Paris, no apartament­o da Rue Royale. Aliviado, ele então se concentrou na carreira de estilista, assinando uma coleção inovadora para Lucien Lelong, exibida em fevereiro de 1946. No ano seguinte, ele alcançaria a glória na estreia da sua marca homônima. Apesar do sucesso, Paris ainda não havia esquecido a guerra, o que ajuda a explicar a indignação pela extravagân­cia do New Look. A autora lembra que um incidente notório ocorreu durante um ensaio de moda da Dior em um mercado em Montmartre, quando a modelo teve sua roupa de alta-costura rasgada por várias mulheres furiosas. Entretanto, o papel crucial que Christian Dior desempenho­u na revitaliza­ção da economia francesa e sua contribuiç­ão única para o prestígio cultural da França no país e no exterior foram reconhecid­os quando ele recebeu a Légion d’honneur em 1950. “Nossa civilizaçã­o é um luxo e nós a defendemos... Meu simples dever é não ceder, dar o exemplo, criar apesar de tudo”, escrevia ele no último capítulo de seu livro,

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New Look, o mais famoso de Dior e ícone da linha Corolle, alta-costura verão de 1947
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