DOBRA NO TEMPO
Complexa em referências e construção dos looks, a coleção da Gucci é metáfora ao caótico mundo contemporâneo.
O discurso que Alessandro Michele vem construindo desde o início para a Gucci é bem particular e feito de muitas camadas. A mais palpável é a visual, em que ele brinca com recortes do passado sob uma visão estética única que veste pessoas de todos os tipos, unidas pela liberdade máxima de expressão. Depois, há os mergulhos do diretor criativo no passado, desta vez em busca de referências histórica, social e até filosófica para compreender o presente. E assim ele volta à superfície, na tentativa de traduzir o hoje por meio da moda que propõe: inclusiva, desafiadora e reflexo do mundo atual.
Para o cruise 2022/23, ele se volta para a vida do pensador judeu Walter Benjamin, que prefere tirar a própria vida a viver sem conhecimento nas mãos dos alemães na Segunda Guerra Mundial, e resgata sua metáfora de Constelações – conexões entre estrelas – para traduzir o conceito de que as ideias se relacionam com as coisas. “A imagem é aquela em que o que foi se junta em um piscar de olhos com o agora para formar uma constelação”, diz um trecho do ensaio do autor que cai perfeitamente bem na visão de moda construída por Alessandro Michele, que junta o ontem e o hoje como uma dobra no tempo, harmonizando rufos plissados a botas de cano longo e luvas de látex; vestidos diáfanos a pesadas peles fakes; estampas da op art a mosaicos de listras.
Esse mix and match estético também passeia pela obsessão e pelo conhecimento do imperador Frederico II, do Sacro Império Romano-germânico, em meio às trevas da Idade Média, tendo como cenário seu enigmático castelo italiano del Monte construído no século 13. Juntando com o discurso de Benjamin e o posicionamento crítico do próprio Alessandro, fica a tradução de moda do embate entre religião e ciência, sombra e luz, conhecimento, erro e ignorância que assola o presente.