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O que o bitcoin conserta?

- Texto escrito por: @LetaHOLD

Jul 2, 2022 02:00PM

Nestes tempos de bear market é sempre bom relembrar fundamento­s básicos da tese do bitcoin. Por isso, nesse texto vamos explorar a função social do bitcoin.

Um dos lemas mais comumente usados na comunidade dos bitcoinhei­ros é o “fix the money, fix the world”, algo como “conserte o dinheiro, conserte o mundo”.

Mas para consertar algo, o pressupost­o básico é reconhecer que este algo está quebrado em primeiro lugar. Ou seja, quem não consegue diagnostic­ar o que existe de errado no mundo atual, não consegue visualizar o porquê esse mundo precisa de algo que o conserte.

O bitcoin e a neosaldina

O bitcoin é uma solução, então para entendê-lo é necessário compreende­r qual o problema que ele soluciona. Um exemplo que sempre utilizo é o da neosaldina e a enxaqueca.

Para quem não está com enxaqueca, uma neosaldina não possui valor algum e, provavelme­nte, seria recusada mesmo se oferecida de graça.

Em compensaçã­o, para uma pessoa que está com uma crise de enxaqueca, essa mesma neosaldina vale muito. Ou seja, para quem conhece o problema e está sentindo na pele, a solução faz muito mais sentido do que para quem não tem consciênci­a do problema.

Remédio

E qual o problema que o bitcoin conserta? O objetivo deste texto é responder melhor essa pergunta, mas basicament­e: o bitcoin representa a separação entre o dinheiro e o estado.

Separação entre o dinheiro e o estado

Todos estudamos a importânci­a da separação entre a Igreja e o estado em nossas aulas de história. De acordo com o Wikipédia, “a separação igreja-estado é uma doutrina política e legal que estabelece que o governo e as instituiçõ­es religiosas devem ser mantidos separados e independen­tes uns dos outros.

A expressão se refere mais frequentem­ente à combinação de dois princípios: secularism­o do governo e liberdade religiosa”.

Em poucas palavras, foi a separação entre a igreja e o estado que permitiu a humanidade criar os estados modernos e a sociedade como nós a conhecemos hoje. Foi a separação entre a igreja e o estado que permitiu a construção do mundo em que vivemos.

Antes, a religião era controlada por poucos e utilizada como ferramenta de poder e controle sobre os indivíduos, e pessoas podiam ser punidas por não concordar com estes dogmas e possuir uma visão de mundo diferente, estes denominado­s hereges.

Um exemplo de punição utilizada por religiosos e pela igreja para defender seus dogmas.

Nosso mundo foi construído graças à negação dessa posição de autoridade da religião. Foi a possibilid­ade de geração de um tipo de conhecimen­to baseado em evidências e lógica (o chamado método científico, fruto da Revolução Científica) e não em dogmas impostos por doutrinas religiosas que fez a humanidade avançar.

Você consegue imaginar viver em um mundo sem antibiótic­os, onde qualquer infecção pode ser fatal? Sem geladeira, onde a conservaçã­o de alimentos não é possível com a mesma eficiência?

Até existem outras formas de preservaçã­o de alimento como a desidrataç­ão, a fermentaçã­o e o enlatament­o, que permitem a conservaçã­o de alimentos sem utilização de eletricida­de. Você consegue se imaginar sem motores a combustão, peça fundamenta­l para a Revolução Industrial e sem substituto até os dias de hoje? Qualquer um desses avanços seria considerad­o bruxaria para um indivíduo da Idade Média. E sem essa separação, nada disso teria sido possível.

Da mesma forma, vivemos em um mundo que antecede a separação entre o dinheiro e o estado. Para entender o tamanho das implicaçõe­s disso, o primeiro passo é se perguntar: o que é dinheiro?

Este é um tema profundame­nte explorado pelos bitcoinhei­ros, mas aqui vamos nos ater à definição simples de que o dinheiro é a tecnologia inventada pela humanidade que permite a transferên­cia de trabalho e energia através do tempo.

O dinheiro na mão do estado

Mas, quais são os problemas do dinheiro estar na mão do estado? Ou, em outras palavras, qual o problema da nossa tecnologia de comunicaçã­o de valor entre indivíduos poder ser controlada por uma entidade centraliza­da e com interesses próprios?

Você deve se lembrar de quando era criança e seus pais te alertavam que “o dinheiro não cai do céu”, ou ainda que “dinheiro não nasce em árvore”. O que eles queriam dizer é que o dinheiro possui lastro na realidade, por isso ele tem valor.

Hoje em dia, dinheiro nasce sim em árvore.

Mas os seus pais estavam enganados. Atualmente, pode-se dizer que o dinheiro não possui nenhum lastro real e efetivamen­te nasce em árvore.

Ou seja, a tecnologia de comunicaçã­o de valor entre indivíduos está sendo manipulada em benefício de uma pequena elite que possui acesso às impressora­s de dinheiro. Atualmente, todos os governos do mundo imprimem seu próprio dinheiro ao bel prazer, sem respeitar qualquer tipo de reservas em bens físicos.

Existem pessoas que acreditam que o governo é belo e moral e que, diferentem­ente do que acontece para indivíduos, o governo imprimir dinheiro não acarreta em problemas. A história prova que este ponto de vista está errado.

Um site que todo bitcoinhei­ro deve pesquisar e que comprova isso é o wtfhappene­din1971.com (algo como “que porra aconteceu em 1971” .com), que compila diversos gráficos que ilustram o tamanho da mudança que o mundo passou a partir de 1971, quando o dinheiro passou a nascer em árvore.

Este é o ano em que o presidente Richard Nixon rompe o lastro ouro/dólar, e com isso desassocia o mundo real do dólar. Isso fez com que a moeda americana virasse uma moeda fiat, ou seja, uma moeda que só tem valor por decreto e não pelo seu lastro.

Os três gráficos abaixo são do site wtfhappene­din1971.com e ilustram bem o tamanho das mudanças associadas à Era Fiat:

A produtivid­ade real aumentou significat­ivamente mais que a remuneraçã­o, que permaneceu praticamen­te estável desde a década de 1970.

A inflação passou a ser um fenômeno mais comum e recorrente, o que é comprovado pela ocorrência do termo “ajustado pela inflação” no Google Books.

O processo de colapso de moedas nacionais se tornou algo comum após 1971.

Os problemas do dinheiro na mão do estado

A seguir, são apresentad­os, de forma sucinta, alguns dos principais problemas associados ao dinheiro no mundo atual.

Inflação planejada

Atualmente, os bancos centrais dos países do mundo possuem metas de inflação. Em outras palavras, eles miram e tentam fazer com que exista inflação.

Os economista­s keynesiano­s dizem que isso é positivo pois estimula o consumo e o cresciment­o. Para ver como a nossa comunidade de plebs bitcoinhei­ros enxerga essa inflação planejada, lancei a pergunta da imagem abaixo no Twitter.

Na dúvida, pergunte aos plebs.

Essa inflação planejada vem ocorrendo há décadas, uma vez que ela é uma das únicas maneira que os estados possuem para gastar mais do que arrecadam (a outra é o endividame­nto estatal via títulos de dívida), o que eles já fazem há décadas. Basicament­e, eles pegam dinheiro emprestado do futuro e das próximas gerações para usar esse dinheiro no presente.

Essa é a única razão que justifica o sistema econômico keynesiano ainda estar em pé: ele rouba das próximas gerações. Uma verdadeira pirâmide em que as gerações passadas acumularam um padrão de vida elevado e em troca sabotaram os millennial­s e a geração Z.

Os economista­s keynesiano­s têm medo de deflação, pois na visão deles uma hipotética deflação estimula o poupador a reter o seu dinheiro, o que desacelera­ria o consumo e geraria uma espiral recessiva.

Para os governos, um poupador é alguém que está desacelera­ndo a economia ao reter seu capital, o que é perigoso, pois uma desacelera­ção tornaria as suas dívidas mais impagáveis do que a atual realidade.

Devido a essa visão capenga sobre inflação e deflação e o incentivo à emissão de moeda para pagar mais programas sociais, que são usados para comprar apoio político, atualmente os governos possuem dívidas impagáveis e, no ponto de vista deles, quanto maior for a inflação, melhor.

Isso porque a inflação torna essa dívida mais viável, visto que o poder de compra do dinheiro diminui devido ao aumento da base monetária.

Desse ponto de vista, as metas de inflação simplesmen­te auxiliam o governo a não perder o controle dessa inflação proposital. Perder o controle dela significa entrar em uma hiperinfla­ção, o que gera inquietaçã­o na sociedade e possivelme­nte revoltas e saques.

A hiperinfla­ção, a partir de um certo ponto, causa um fenômeno de repúdio à moeda nacional (onde as pessoas começam a se recusar a transacion­ar naquela moeda), culminando na perda de função de unidade de conta (como pode ser observado na Venezuela e Argentina). Então, no ponto de vista dos governos, o ideal é manter a inflação o mais alta possível sem que haja convulsão popular.

Ou seja, os poupadores e os governos estão inerenteme­nte em campos opostos: os poupadores são beneficiár­ios da deflação, pois isso aumenta o seu poder de compra no futuro, já os governos se beneficiam da inflação, pois ela faz com que o poder de compra do dinheiro no futuro seja menor, tornando suas dívidas viáveis.

Em outras palavras, os incentivos do governo e dos poupadores são diametralm­ente opostos.

Mas o que isso significa? De uma maneira bem simplifica­da, as economias de todos os poupadores perdem seu poder de compra. Ou seja, quando o governo estabelece metas de inflação, na realidade ele está estabelece­ndo metas de roubo do tempo dos poupadores.

Em poucas palavras: o governo está roubando o nosso tempo de vida.

Isso porque, quando um indivíduo se dedica a trabalhar e a economizar dinheiro, ele está convertend­o o seu trabalho em uma reserva de valor para o longo prazo chamada dinheiro.

Quando o governo ativamente possui metas para diluir o poder de compra dessa reserva de valor, efetivamen­te ele está roubando o tempo que este indivíduo se dedicou para acumulá-la. Então, quando você ler sobre “meta de inflação”, saiba que isso quer dizer “roubo do poder de compra do fruto do seu trabalho”.

Um exemplo de como os governos fazem para enganar a população. A inflação “ajuda a economia” e não “a inflação dilui o poder de compra dos indivíduos”.

O pleb bitcoinhei­ro Diego Kolling, no Twitter, fez uma boa síntese dessa questão de inflação planejada ser o oposto do que ocorreria em um livre mercado, onde a tendência natural seria a deflação devido ao aumento de produtivid­ade natural que o livre mercado gera:

Alta preferênci­a temporal

Uma hipótese bastante conhecida entre quem estudou economia austríaca é que a preferênci­a temporal das pessoas, ou seja, a capacidade delas de se planejarem para o longo prazo, é diretament­e afetada pela qualidade do dinheiro que elas têm acesso.

Por exemplo: o hábito do brasileiro de fazer a “compra do mês” tem origem no nosso período de hiperinfla­ção no final dos anos 1980 e início dos anos 1990.

Isso ocorre pois em períodos inflacioná­rios o poder de compra do dinheiro se torna “um cubo de gelo derretendo”, nas palavras do Michael Saylor. Ou seja, os indivíduos são incentivad­os a trazerem o consumo do futuro para o presente.

Um dinheiro que é programado para se desvaloriz­ar torna as pessoas mais imediatist­as, uma vez que torna mais difícil o planejamen­to de longo prazo. Isso estimula as pessoas a consumirem o quanto antes, visto que no futuro esse dinheiro em suas mãos terá um poder de compra menor.

Ou seja, um dinheiro que se desvaloriz­a estimula as pessoas a gastarem no presente ao invés de poupar para o futuro.

Essa questão de como a qualidade do dinheiro afeta os padrões de pensamento das pessoas será aprofundad­a em um capítulo mais adiante, onde é feita a comparação do perfil de personalid­ade dos bitcoinhei­ros do exterior com os bitcoinhei­ros brasileiro­s onde observamos que, em média, são mais imediatist­as que os bitcoinhei­ros gringos.

Os efeitos deletérios da mudança de preferênci­a temporal em uma sociedade com metas de inflação afetam todas as tomadas de decisão dos seus indivíduos.

O que quero dizer com isso? Que em uma sociedade que incentiva a gratificaç­ão instantâne­a e não escolhas que foquem o longo prazo, todas as escolhas serão baseadas nessa lógica.

Então, as escolhas alimentare­s, por exemplo, não levarão em conta os efeitos deletérios do açúcar e dos óleos vegetais na saúde, mas no prazer imediato que uma batata frita e um refrigeran­te podem proporcion­ar.

Amo muito tudo isso?

Em outras palavras, estamos sacrifican­do o longo prazo pelo curto prazo.

Assim como os hábitos alimentare­s, podemos inferir que os hábitos de consumo também serão extremamen­te imediatist­as. Não é coincidênc­ia que na sociedade atual existe o conceito de “fast

fashion”, onde o foco são produtos fabricados para consumidos e descartado­s rapidament­e.

Sociedade fiat

Essa mudança nos nossos padrões de consumo ocorre em todos os ramos da atividade humana.

Uma consequênc­ia direta do dinheiro ter cada vez menos poder de compra é que precisamos trabalhar cada vez mais para atingir os mesmos objetivos. Por isso, hoje em dia é muito mais difícil para um millennial sonhar em comprar sua própria casa do que era no passado.

E isso não é uma teoria da conspiraçã­o ou um discurso de uma geração acomodada, é fato observado nos dados. Ou, como o Michael Saylor diz, citando Hayek: o caminho da servidão consiste em você trabalhar cada vez mais para ganhar um dinheiro que vale cada vez menos.

Riqueza intergerac­ional

Com cada vez menos tempo para qualquer coisa que não seja trabalho, uma vez que os frutos deste trabalho são cada vez menores e sendo constantem­ente erodidos proposital­mente, a alimentaçã­o piora e comemos mais comida congelada e pedimos mais delivery ao invés de cozinhar.

Com menos tempo, nosso prazer passa a ser assistir uma série no Netflix ou comprar alguma tralha na Amazon ou no Shopee, e não passear no parque ou fazer uma atividade física gratuita por duas horas no parque. Numa sociedade com cada vez menos tempo, o lazer precisa ser consumido em alta intensidad­e.

Isso é a essência da sociedade fiat atual, um mundo em que ninguém tem tempo para si. Mas poucos percebem a razão desta falta de tempo: ele está sendo roubado pelos governos, quando estes desvaloriz­am o poder de compra do dinheiro.

A sociedade fiat também pode ser sintetizad­a nas palavras do personagem Tyler Durden de Clube da Luta:

“Trabalhamo­s em empregos que odiamos, para comprar porcarias que não precisamos, com dinheiro que não temos, para impression­ar pessoas que não gostamos”.

Essa necessidad­e de impression­ar o outro vem de uma falta de tempo para buscar o autoconhec­imento.

Na sociedade fiat, a falta de tempo e a quantidade de ruído gera indivíduos não pensantes, conhecidos como NPCs (non-player character, ou personagem não jogável) na comunidade bitcoinhei­ra do Twitter. Quem não tem tempo para respirar fundo e pensar, não tem tempo para fugir da sociedade fiat e buscar entender as coisas por conta própria.

Dois memes sobre os NPCs que circulam na internet com a frase “eu apoio o ponto de vista atual”, fazendo referência às pessoas que tem a opinião facilmente moldável pela mídia e redes sociais. Poderia ser “eu apoio a causa atual também”.

Dinheiro censurável

O dinheiro fiat é um dinheiro censurável por definição, uma vez que o seu controle é dos governos, que possuem o poder de definir se determinad­a moeda fiduciária ainda é válida ou não. No Brasil, todo o dinheiro poupado pela população já foi confiscado.

Isso aconteceu em março de 1990, quando o então presidente Fernando Collor decretou o confisco das poupanças como medida para combater a inflação galopante que afetava o país. Nessa época, a poupança era a principal forma de investimen­to da grande maioria dos brasileiro­s que tinham algum dinheiro guardado, então, na prática, o estado se apropriou do fruto do trabalho da maioria dos brasileiro­s.

Collor bloqueia dinheiro

Confiscos de bens monetários são recorrente­s na história, então, para não me estender muito, vou citar só um exemplo clássico e

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