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BRINCANDO NOS CAMPOS DO SENHOR

Andamos na Yamaha MT-07 com que o piloto Rafael Paschoalin sagrou-se campeão nos EUA

- POR ANDRÉ RAMOS

No dia 30 de junho de 2019, o piloto Rafael Paschoalin tornava-se o primeiro brasileiro a sagrar-se campeão da Pike’s Peak Internatio­nal Hill Climbing, a mais perigosa e desafiador­a prova de subida de montanha do mundo, The Race to the Clouds, ou a Corrida às Nuvens. Ao longo de seus 103 anos de história –acontece desde 1916–, centenas de pilotos já enfrentara­m suas 156 curvas em 20 km com rampa de 7% em média. Mas não é somente por sua história e tradição que Pike’s Peak é especial: devido ao fato de a sua largada acontecer a 2.300 metros de altitude e a chegada aos 4.500 m s.n.m., a diferença de pressão e temperatur­a torna a pilotagem mais sensível e arriscada. Não por acaso, Pike’s Peak é uma corrida temida e ao mesmo tempo, venerada.

Depois de ter sido o primeiro brasileiro a competir no lendário TT da Ilha de Man, Rafael Paschoalin decidiu que iria encarar a subida no Estado do Colorado. Sua primeira tentativa aconteceu em 2016 e nela, ele percebeu que tinha potencial para brigar pela vitória. A partir de então, Pike’s Peak tornou-se uma obsessão para Rafael.

Sempre na categoria Middleweig­ht, Paschoalin foi vice-campeão em 2017 a bordo de uma MT-07; no ano seguinte, decidiu correr com uma MT-09 e finalizou na terceira colocação. Reunindo a experiênci­a que as participaç­ões anteriores lhe conferiram e uma boa rede de parceiros, o piloto traçou um plano para voltar mais forte em 2019.

De volta à MT-07, segundo ele, a moto mais adequada à classe na qual compete e ao tipo de circuito, Rafael deu

início a um exaustivo programa de desenvolvi­mento tanto pessoal quanto da motociclet­a, que fosse capaz de colocá-lo em condições de chegar à prova como um dos favoritos. A meta era tornar-se o primeiro brasileiro a vencê-la, e ainda por cima com uma moto fabricada no Brasil.

Rafa tomou uma motociclet­a fabricada em Manaus (AM), e passou a trabalhá-la, com o objetivo de transformá-la em um bólido de competição, capaz de vencer os 20 km de subida na casa dos 10 minutos.

Foram 9 meses de muito trabalho, pesquisas, testes, treinos, viagens e participaç­ões em corridas, utilizadas como laboratóri­o para testar na prática as alterações. Para se ter uma ideia do nível de refinament­o do trabalho, Paschoalin projetou duas fotos em fundo transparen­te, uma de sua moto e a outra de uma YZF-R6: sobrepondo-as. O objetivo foi fazer com que manetes, pedaleiras, guidão, entre-eixos e assento da MT ficassem o mais próximo possível da R6.

Usando serra e solda, ele dedicou-se por dias a rebaixar a altura do tanque, em um trabalho artesanal e meticuloso, feito passo a passo, até conseguir deixá-lo 25 mm mais baixo. Isso precisou ser feito para que ele pudesse utilizar um guidão de MT-03 instalado de forma invertida, deixando a posição de pilotagem mais mergulhada e agressiva, porém, sem compromete­r a maneabilid­ade da moto.

O passo seguinte foi desenvolve­r pedaleiras especiais que possibilit­assem deixar as pernas mais recuadas e que também ampliassem o índice de inclinação da moto em curvas. Para isso Rafa contou com o apoio da Bullet, marca brasileira que desenvolve­u uma série de protótipos até chegar ao resultado mais satisfatór­io.

O motor passou por intenso retrabalho para melhorar potência e torque. O cabeçote foi trabalhado em banco de fluxo; depois, ganhou comandos de válvulas especiais, com mais levante. A taxa de compressão subiu dos originais

11,5:1 para 14:1, enquanto os corpos de borboletas (TBI) foram ampliados em 1 mm.

O escapament­o foi um dos itens que mais tempo demandou. “Foram mais de 400 passagens em dinamômetr­o na Jeskap até encontrar a melhor combinação”, revela Paschoalin. “Escapament­o pode parecer algo simples à primeira vista, bastando deixá-lo o mais livre possível para conseguir ganho de rendimento, mas nada poderia ser mais errado”, explica Mário Baptista, proprietár­io da Jeskap. “Cada alteração que se faz em um trecho do escape, cada alteração de diâmetro dos canos, do ângulo da curva, da quantidade de lã de vidro na ponteira e no tamanho desta e do combustíve­l que se está usando, a moto passa a comportar-se de maneira totalmente diferente. Como queríamos que a moto do Rafa atingisse o máximo de rendimento, fomos o mais fundo que pudemos e o resultado foi muito bom”, acrescenta.

O resultado foi a criação de um escapament­o batizado de Full Race Rafa Paschoalin, que leva a assinatura do piloto na ponteira. “Um dia cheguei na Jeskap e tinha uma plaquinha na porta: ‘Rafa, a Jeskap mudou de endereço, favor entrar em contato’”, recorda-se o piloto. Era uma brincadeir­a feita na época dos constantes acertos.

A ECU foi remapeada pelo próprio Paschoalin para encontrar a máxima capacidade de entrega do motor com a gasolina utilizada em Pike’s Peak, chamada de VP Fuel. Este novo mapa também deixou a moto com menos freio motor. Quando competiu com a moto aqui no Brasil na fase de testes, utilizava metanol, que exigia um mapa diferente.

Para agilizar as trocas de marcha, Paschoalin instalou um quickshift­er na moto, que dispensa o uso da embreagem nas trocas ascendente­s. Para ajudá-lo nas reduções, foi instalado sistema de deslizamen­to para evitar o travamento da roda.

A moto também conta com um data logger, equipament­o responsáve­l pela telemetria que colhe dados de inclina

ção, aceleração e frenagem, entre outros, fornecendo informaçõe­s valiosas para o desenvolvi­mento.

Para deixar a MT-07 o mais leve possível, Paschoalin retirou tudo que podia. “Não há um parafuso nela que esteja ali sem precisar”, garante o piloto. Para deixá-la mais solta, além da redução eletrônica para obter menos freio motor, Rafa fez um trabalho em todos os rolamentos da moto: não há graxa neles, mas um lubrifican­te especial que os deixam mais livres. A corrente é de passo 520, sem retentor, para deixar a roda traseira mais livre e sofrendo menos perda de transferên­cia de potência através da relação secundária.

Numa MT-07 “normal”, de série, a perda de potência entre o motor e a roda é em torno de 10%, ou seja: o motor desenvolve 74,8 cv e chegam à roda mais ou menos 68 cv. Na moto dele são 90 cv na roda.

As suspensões receberam um kit de alta performanc­e da Mupo, para se tornarem mais firmes; a roda dianteira original foi substituíd­a por uma da YZF-R1, forjada em magnésio, para deixar a frente da moto mais leve e contribuir com as constantes trocas de direção. A bomba de freio dianteira original cedeu lugar a uma da Brembo, com flexível da HEL, enquanto que as pastilhas dianteira e traseira são de carbono, para a máxima capacidade de frenagem.

Para chegar ao melhor composto para a prova, Rafa Paschoalin contou com a ajuda da subsidiári­a brasileira da

Pirelli. Ao final, a MT-07 recebeu pneus Diablo Rosso Super Corsa, composto SC1. “O (composto) SC0 até oferecia mais grip em situações de asfalto muito quente; essa não é entretanto uma condição normalment­e encontrada em Pike’s Peak, principalm­ente do meio da subida em diante. Assim, percebemos que o SC1 seria a receita mais equilibrad­a”, explica Luiz Alves, gerente de competiçõe­s da marca.

DOMANDO A FERA

No final do ano, a Yamaha do Brasil convidou um grupo de jornalista­s especializ­ados para o Pike’s Peak Experience, em evento realizado na Fazenda Capuava, no interior do estado de São Paulo, onde tivemos a oportunida­de de comparar o rendimento e performanc­e de uma MT-07 original com a moto campeã da subida de montanha.

A princípio eu estava apreensivo. Minha experiênci­a mais recente em pista (justamente na Capuava) tinha sido há pelo menos seis meses, o que significav­a estar enferrujad­o e sem ritmo; isso somado ao fato de pilotar um exemplar único e especial aumentava a inseguranç­a. Bom, como a única forma de impedir que o medo o domine é ir para cima dele, tratei de candidatar-me o quanto antes para entrar na pista, mas antes, aqueci-me, dando algumas voltas com a MT-03 e com a MT-07 original.

Para melhor comparar as duas motos, assim que desci

da MT-07 de série, montei na do Rafa e de cara a cabeça já estranhou a posição de pilotagem: muito mais agressiva! A embreagem, porém, muito leve, contrariou minha expectativ­a e assim que engatei primeira e saí, percebi que eu poderia fazer aquilo.

Primeira, segunda marchas, já estava na primeira curva ao final da reta dos boxes. Tutelado pelo Laner Azevedo, assessor de imprensa da Yamaha que ia à minha frente – e que toca muito! –, contornei esta primeira curva, buscando entender como a moto mergulhava e saía das curvas. Na frenagem seguinte, ao baixar de terceira para segunda, buscando a contribuiç­ão do freio-motor (coisas de cabeça acostumada a determinad­o comportame­nto), veio o (primeiro e único) susto: a moto seguiu praticamen­te sem a redução de velocidade que eu esperava acontecer, o que exigiu ampliar o uso dos freios. Com pastilhas de carbono, bomba Brembo e linhas de malha de aço, a reação foi bem mais forte que eu esperava, e a moto deu uma bela sambada com a roda traseira, indo de um lado a outro no ataque à curva para a direita.

De volta ao traçado, entrei quadrado e só fui reencontra­r-me novamente três ou quatro curvas depois. Aos poucos, fui ganhando confiança, à medida que eu ia me entendendo com a moto campeã. Apesar de toda a cavalaria e capacidade de entrega, é uma moto muito, mas muito fácil de pilotar, dada sua obediência e entrega linear de potência.

Sabe aquele lance de você relar a mão no acelerador e a moto dar um salto e você ficar com medo e com aquela sensação de que não vai conseguir domá-la? Por mais forte que seja a MT do Rafa, isso não acontece, pois a forma como o mapa comanda o despejo de potência faz com que você se sinta o tempo todo no comando, ganhando confiança volta a volta. Mas basta um pouco a mais de empolgação para a frente ficar leve e você senti-la saindo do chão, enquanto deixa para trás o ronco grosso, grave e compassado.

A confiança aumenta também quanto à inclinação. Calçada com os pneus Super Corsa SC1, o limite dela está muito além do meu, até porque, com as pedaleiras elevadas, por mais que eu tenha tentado, não consegui raspá-las no chão – já os meus joelhos tiveram bastante trabalho.

Eu duvido que você conseguiri­a descer dessa moto após algumas voltas no travado circuito da Capuava sem estar com as mãos trêmulas e a voz embargada pela emoção. Velho… Eu tentei verbalizar minhas impressões assim que desci da moto, mas não consegui. Tentei, mas não foi possível, pois um turbilhão de sentimento­s e sensações passava pela minha cabeça.

São momentos assim que nos fazem sentir vivos e entender porque pessoas como o Rafa decidem encarar provas como a Pike’s Peak, na qual já deixou a sua marca.

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 ??  ?? Com sua MT-07 de corrida, Rafael traça curva no autódromo de Capuava, em São Paulo
Com sua MT-07 de corrida, Rafael traça curva no autódromo de Capuava, em São Paulo
 ??  ?? A versão de pista foi preparada sob a supervisão de Paschoalin, para máximo desempenho: vencedora em sua categoria nos EUA
A versão de pista foi preparada sob a supervisão de Paschoalin, para máximo desempenho: vencedora em sua categoria nos EUA
 ??  ?? Rafael Paschoalin com a Yamaha MT-07 original, passeando em reconhecim­ento de pista
Rafael Paschoalin com a Yamaha MT-07 original, passeando em reconhecim­ento de pista
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André Ramos, de MotoPremiu­m,
testa a MT-07 preparada, na pista
Acima, o jornalista André Ramos, de MotoPremiu­m, testa a MT-07 preparada, na pista
 ??  ?? Rafael Paschoalin, com a camisa de campeão do Pike’s Peak, detalha as explicaçõe­s sobre a sua moto, na apresentaç­ão à imprensa
Rafael Paschoalin, com a camisa de campeão do Pike’s Peak, detalha as explicaçõe­s sobre a sua moto, na apresentaç­ão à imprensa

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