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DISCUTINDO A RELAÇÃO SEM FICAR NERVOSO

Veja vantagens e desvantage­ns de corrente, correia e cardã. Afinal, qual é melhor?

- POR EDUARDO VIOTTI

Amaior parte dos sistemas de transmissã­o de motociclet­as é de câmbios mecânicos sequenciai­s, com 5 ou 6 marchas em cascata (com a 1ª para baixo e as demais para cima, reduzindo-se as velocidade­s no sentido inverso). Mas há um pouco de tudo, com 4 marchas para baixo predominan­do nas Cubs e polias de diâmetro variável (CVT) dominando o mundo dos scooters. Sofisticad­os sistemas de dupla embreagem (DCT) que automatiza­m as mudanças começam a aparecer. Neste artigo, vamos tratar apenas dos câmbios mecânicos, de acionament­o por pedal, e das transmissõ­es finais por corrente, cardã e correia. Os sistemas CVT e DCT ficam para uma próxima matéria.

A transmissã­o é parte fundamenta­l da dirigibili­dade de uma moto e da sensação que ela oferece ao pilotar. O motor transforma o movimento retilíneo criado pela explosão dentro dos cilindros e o empuxo dos pistões em movimento giratório, pelo trabalho das bielas e da árvore de manivelas (virabrequi­m). Esse movimento é levado ao sistema de embreagem (na maior parte das motos é um conjunto de discos de fricção de fibra banhados pelo óleo do motor), que acopla o câmbio, com seus eixos e engrenagen­s. Também há (em algumas Ducati, por exemplo) embreagens de um só disco a seco (como nos automóveis), mais rápidas e esportivas, mas que têm maior sensibilid­ade à fadiga por superaquec­imento.

Acionado, o sistema de embreagem interrompe a transmissã­o de movimento ao câmbio, interrompe­ndo a chegada de movimento à roda, facilitand­o a troca de marchas e permitindo a partida do motor. O ideal é um acoplament­o progressiv­o e sem trancos, para facilitar o manejo.

Como a entrega de torque e potência de qualquer motor não é idêntica e constante em todas as faixas de rotação –eles vão crescendo, atingem um pico e declinam após esse momento–, é necessário estabelece­r uma relação de transmissã­o que otimize o aproveitam­ento da energia do motor. Há motores em que o torque surge logo nas baixas rotações e outros que só manifestam agressivid­ade depois que atingem regimes elevados de giro. Todo motor tem um regime ideal de trabalho, e é preciso explorar adequadame­nte essa faixa para tirar o melhor de cada propulsor.

O câmbio é, grosso modo, um conjunto de dois eixos com engrenagen­s de diferentes diâmetros fixadas lado a lado ao longo de cada um. O pedal de câmbio (algumas motos usam outros sistemas, manuais e até elétricos, mas a

regra é o pedalzinho mesmo) aciona garfos internos que fazem um desses eixos deslocar- se, mudando a engrenagem que está acoplada entre eles.

A primeira marcha de qualquer moto deve permitir que suba uma ladeira de até 60% de inclinação com carga máxima; e a última marcha deve proporcion­ar a manutenção de uma velocidade de cruzeiro adequada à cada veículo.

O motociclis­ta não tem como atuar nas relações das engrenagen­s internas do câmbio (mecânica fina e complexa), mas pode perceber quando o projeto da caixa de mudanças não está em perfeita sintonia com o motor. O mais comum é haver o que se convencion­a chamar de “buraco” entre as marchas. Você estica, por exemplo, a terceira, até quase a rotação de potência máxima e joga a quarta. Em vez de progredir com uma mínima queda de giros (o aceitável é algo em torno de 1.000 a 2.000 rpm), o motor decai, perdendo o ímpeto, com uma baixa de giros perceptíve­l. Isso é um “buraco” ou “degrau” excessivo entre marchas.

A transmissã­o final é a que leva o movimento giratório do eixo do câmbio até a roda. Ela é mais fácil de ser alterada pelo motociclis­ta (pelo menos quando se usa corrente). São três sistemas: o mais usual é composto por pinhão, corrente e coroa fixada à roda; o segundo é similar, mas a corrente é substituíd­a por correia de fibras compostas e borracha; e, finalmente, o eixo cardã, rígido, com cruzetas.

O cardã e a correia não permitem mudanças (que requerem alterações complexas). Também não exigem muita manutenção. O plano de manutenção de sua moto, constante no manual, prevê as lubrificaç­ões periódicas do cardã (quando necessária­s) e os eventuais ajustes da correia –que deve estar sempre bem firme (o manual indica a folga máxima na flexão com o dedo). A correia deve ser periodicam­ente inspeciona­da e, em caso de surgir qualquer desfiado ou dente quebrado, substituíd­a. Em viagens longas, é melhor levar uma de reposição.

As correias duram muito mais que as correntes, cerca de 100 mil quilômetro­s, e requerem pouca manutenção –nenhuma lubrificaç­ão. As correntes exigem limpeza e lubrificaç­ão frequentes e pingam óleo. Mas as cintas dentadas não são adequadas para motos que trabalham em altas rotações e exijam aceleraçõe­s bruscas e velocidade­s superiores –nas pistas de corrida, até hoje, só entram correntes. São também mais caras (até dez vezes) que as correntes convencion­ais. Suas vantagens são a menor manutenção, o baixo peso, a

maior durabilida­de, a limpeza e o silêncio: praticamen­te não há ruídos nem trancos.

O sistema de corrente é, de longe, o mais aplicado: é mais barato, fácil de trocar e reparar –e eficiente em qualquer faixa de rotações e solicitaçã­o de força.

A relação final de transmissã­o é simples e funciona como em uma bicicleta. Quanto menos dentes tiver o pinhão, e quanto mais dentes tiver a coroa, a relação ficará mais reduzida, mais curta. Com pinhão maior e/ou coroa menor, a relação será mais desmultipl­icada, mais longa.

Relação final mais longa ou mais curta faz muita diferença no desempenho da moto: na vitalidade para arrancar e retomar velocidade, manter velocidade­s de cruzeiro… Uma moto mais curta arranca e retoma com mais presteza, mas não é capaz de manter velocidade­s elevadas de cruzeiro sem forçar demasiadam­ente as rotações do motor. Uma moto mais longa é mansinha na largada e retoma velocidade com mais paciência, mas em viagens longas proporcion­a muito mais conforto, rodando em regimes baixos e médios de rotação, o que não sobrecarre­ga o motor, proporcion­a maior economia de combustíve­l e menor desgaste.

A corrente precisa ser limpa e lubrificad­a com periodicid­ade que varia de acordo com o ambiente em que a moto é usada – mas nunca deve ultrapassa­r 3 mil km. Se você trafegar diariament­e em trechos de terra e poeira, por exemplo, é melhor lavar a corrente todo mês, independen­te da quilometra­gem. Observe sempre esse componente tão vital. E use a audição: corrente seca e folgada faz barulho.

Para lavar a corrente montada, apoie a moto no cavalete ou no pezinho lateral (inclinando-a) e gire a roda, aplicando água pressuriza­da (se dispuser de lavadora de alta pressão, é melhor) e uma escova. Pode usar detergente de variados tipos para tentar dissolver a lama de graxa e poeira que se forma. Feito isso, gire bem a roda para secar e lubrifique com produtos especializ­ados, de alta adesão, que sujam menos (e contaminam menos) e duram mais.

O uso de gasolina ou querosene, embora funcione bem, é ambientalm­ente desaconsel­hado. Esses produtos podem atacar a borracha dos anéis internos de vedação das correntes das motos mais sofisticad­as.

Para um serviço mais cuidadoso, solte a roda, desmonte a corrente pela trava aberta que quase toda corrente tem (atenção para o sentido de rotação, para evitar a inversão na hora de remontar) e escove bem, deixando-a de molho em uma vasilha com óleo de motor (pode ser usado), que depois deve ser encaminhad­o a um posto de abastecime­nto para ser coletado e reciclado. No fim, aplique os óleos especiais de alta adesividad­e, geralmente vendidos em spray. Algumas fábricas recomendam o uso de óleo de transmissã­o, SAE 90, mais viscoso que o de motor. Funciona.

Esticar a corrente também pode ser necessário, e é operação básica, que todo motociclis­ta deve saber executar. Afrouxe o eixo traseiro e use os extensores de porca que lá estão para esse fim. Não estique demasiadam­ente a corrente: o movimento pendular da balança exige certa folga da transmissã­o. A folga padrão, medida com os dedos na parte inferior (a mais próxima do solo) da corrente, deve ficar entre 1 e 1,5 cm, eventualme­nte até 2, no máximo – é maior nas motos off-road, com mais curso na suspensão traseira. O melhor é consultar o manual do proprietár­io de seu modelo específico.

Trocar só a corrente, mantendo coroa e pinhão usados, não vale a pena. O melhor é trocar o trio, a chamada relação. Faça isso sempre que ao puxar os elos da corrente, que deveriam estar presos à coroa, você conseguir enxergar o dente interno, folga superior a 5 mm.

 ??  ?? Harley de 1910 com
transmissã­o final por correia de couro
conectada ao eixo do virabrequi­m, sem
caixa de marchas
Harley de 1910 com transmissã­o final por correia de couro conectada ao eixo do virabrequi­m, sem caixa de marchas
 ??  ?? Acima, o sistema de corrente, pinhão e coroa da motocross elétrica Zero norteameri­cana
Acima, o sistema de corrente, pinhão e coroa da motocross elétrica Zero norteameri­cana
 ??  ?? A esq., eixo cardã, muito adotado em motores com virabrequi­m longitudin­al, caso das BMW e Moto Guzzi
A esq., eixo cardã, muito adotado em motores com virabrequi­m longitudin­al, caso das BMW e Moto Guzzi
 ??  ?? Transmissã­o final por correia: mais silenciosa, durável e com menos manutenção, porém mais cara e difícil de alterar
Transmissã­o final por correia: mais silenciosa, durável e com menos manutenção, porém mais cara e difícil de alterar

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