TÃO IGUAL, TÃO DIFERENTE
O Jaguar I-Pace chegou ao Brasil, e se você tem mais de R$ 400 mil para gastar em um carro, suas opiniões automotivas vão mudar radicalmente. Esse crossover elétrico pode até parecer normal, mas é algo de outro mundo
Olhando o Jaguar I-Pace de fora, o design chama bastante atenção. As formas são de um SUV-cupê, essa estranha mistura, mas a altura fica entre a de um sedã e a de um SUV... é meio inclassificável, o que costumamos chamar de crossover. Não que seja revolucionário – tem grade dianteira, faróis, colunas, tudo até meio “normal”. Principal lançamento recente da marca por ser seu primeiro carro 100% elétrico, ele não tem o apelo visual do BMW i3 – que, mesmo tendo chegado há alguns anos, diz claramente: “Sou do futuro”. Não que essa seja uma qualidade necessária, ou mesmo desejada, nos elétricos. Carros como o I-Pace e o Mercedes-Benz EQC (a seguir) parecem ter visto nessa normalidade um argumento a mais para conquistar o consumidor desconfiado das novas tecnologias.
Dentro da cabine, a sensação de familiaridade continua. O interior é belíssimo, bastante similar ao de seu “primo” Land Rover Velar, com três telas de TFT configuráveis – a do quadro de instrumentos, a da central multimídia/funções do carro e, abaixo dela, a que mostra os controles do ar-condicionado ou de mídia (incluindo do Android Auto, que se integra perfeitamente a seu belíssimo sistema nativo). São diversas as opções de visualização para cada uma delas – pena que os menus não sejam tão simples ou intuitivos de acessar.
De qualquer modo, o I-Pace tem um interior tão incrível que seria absurdo a marca gastar tempo
e esforço para tentar “reinventar a roda” – e talvez não agradar a todos, como aconteceu com o i3. A maior diferença desse Jaguar em relação aos demais modelos recentes da marca, na cabine, está no comando do câmbio – que já foi por alavanca e por um botão giratório, e agora é feito por botões separados, como no Honda Accord. Só é estranho que, apesar do design esportivo, não haver aletas no volante. Mas logo entenderemos o porquê disso.
REVENDO CONCEITOS
Após me acomodar no banco do motorista, que tem amplo ajuste elétrico e memórias, e ajeitar a coluna de direção, também elétrica, dou a partida. Aperto o botão que liga o motor e não há ruído algum: a palavra “ready” (pronto) se acende em verde no cluster. Pressiono a tecla D e o carro sai em silêncio quase absoluto, com um zumbido que mal se ouve. Até aí, normal para quem conhece elétricos. Eu já havia guiado o BMW i3, e me encantei com ele (ainda tem méritos por ter ousado no design e chegado antes). Mas o I-Pace, mesmo desconsiderando diferenças das categorias, fica em outro patamar. Como em todo elétrico, a relação de transmissão é fixa, então não há marchas (ausência das aletas explicada). O que mais diferencia esse Jaguar do citado BMW é que nele são usados dois motores elétricos, um montado em cada eixo, com nada menos que 200 cavalos cada um.
Essa construção incomum do crossover muda totalmente a experiência que se tem ao volante. A ponto de nós, aqui da redação, julgarmos que, apesar do preço salgado e das vendas que devem ser limitadas, esse Jaguar I-Pace merecia, mais uma vez, amplo espaço em nossas páginas (publicamos no passado uma avaliação feita por nossa parceira italiana, a Quattroruote).
Se você é daqueles fãs de esportivos que acha que nada substitui o ronco de um velho e bom V8 aspirado ou os estouros das trocas de marcha de um câmbio de dupla embreagem, talvez seja hora de rever seus conceitos. O que mais impressiona nesse conjunto elétrico é a entrega de torque peculiar e característica dos motores elétricos – os 71 kgfm estão disponíveis na totalidade SEMPRE e IMEDIATAMENTE. Não importa se você está parado ou já andando a mais de 120 km/h, quando pisa fundo gruda no banco da mesma forma assustadora (fui xingado pelos passageiros todas as vezes que fiz isso). São menos de 5 segundos até 100 km/h, e aí você continua com o pé afundado, esperando alguma interrupção, hesitação, mas o motor enche, enche… em aceleração ininterrupta até 200 km/h. Para deixar a dirigibilidade mais afiada, as respostas do volante são diretas, permitindo costurar no trânsito como se estivesse em um carro muito menor. Pena que os freios às vezes assustem na demora a responder na mudança da regeneração de energia pelos motores-geradores para a frenagem “verdadeira”, que usa os discos.
Em uma direção cotidiana, porém, esse é um detalhe que não chega e incomodar. E é possível guiar usando apenas o pedal do acelerador: com a regeneração no nível alto, sempre que se alivia o pé direito o carro reduz a velocidade – e bem – economizando combustível e freios. Tudo devidamente exibido no painel para ajudar o motorista a entender o sistema. O que incomoda um pouco é o excesso de massa do crossover, que causa solavancos mais bruscos em ruas esburacadas. Já na estrada, o melhor mesmo é deixar a regeneração no nível baixo e desfrutar do absoluto silêncio a bordo. Mesmo em alta velocidade,
há pouco ruído aerodinâmico e os excelentes acabamento e montagem evitam barulhos na cabine. E não se preocupe com a autonomia: além de os cerca de 400 quilômetros serem suficientes para viagens, um app ajuda a planejá-las de acordo com a oferta de carregadores (e encontrá-los em emergências). É um elétrico que pode pegar estrada – o problema é o tempo de recarga.
E QUANTO GASTA?
Usando o carro por cinco dias no meu cotidiano na capital paulista, carreguei o I-Pace algumas vezes na rede gratuita (da BMW). Nesses aparelhos – um similar instalado em sua casa sai por cerca de R$ 13 mil com serviço conveniado da Jaguar – são 10 horas para encher 80% da bateria. Recomendo comprar, já que em uma tomada comum ele leva mais de 45 horas para ser carregado (numa noite inteira se consegue só dez ou 11 quilômetros). Em um uso normal, durante nossos testes, rodamos 350 quilômetros com uma recarga. Na prática, as médias de consumo foram de 6 km/kWh na cidade com trânsito e 5 km/kWh na estrada – pelos preços atuais de São Paulo, custo de rodagem equivalente ao de um carro a gasolina que faça 50 km/l na cidade e 45 km/l na estrada. Nada mal. Mas economizar dinheiro está longe de ser a sensação mais incrível a bordo desse Jaguar. “Salvar o planeta” talvez seja a segunda. A primeira, sem dúvida, é a experiência ao volante.