MÚSICA DAS GALÁXIAS
ANALISAMOS A TRILHA SONORA QUE EMBALA A SOLIDÃO DE SAMUS
Esqueça os temas alegres e não adianta procurar por trilhas eruditas de estilo medieval, pois o Reino do Cogumelo e Hyrule estão a anos-luz de distância. O clima de Zebes, Ceres e demais planetas e colônias espaciais onde Samus colocou os pés é sombrio e frio, longe do bonitinho e animado. Além disso, as aventuras metroidianas não são apenas solo, como em Mario e Zelda, mas totalmente solitárias e introspectivas. Por força disso, a trilha sonora da série segue por um caminho completamente diferente de suas companheiras de casa.
Ante as características de Metroid, a Big N entendeu por bem não atribuir a tarefa do retrato musical ao mestre Koji Kondo. Aliás, na época o compositor desenvolvia a primeira aventura de Link, e, como integrante da R&D4, dificilmente atuaria com o pessoal da R&D1. O trabalho então foi transferido para Hirokazu "Hip" Tanaka.
O engenheiro de som, que desenvolveu a parte de hardware relativa aos efeitos sonoros do Famicom e do Game Boy, se mostrou a opção ideal para a missão por causa da formação musical (manja de rock e de programação de áudio) e, principalmente, por sua posição contrária ao rumo que as trilhas sonoras estavam adotando na metade dos anos 1980.
Ao seu entender, elas se preocupavam mais em ser agradáveis (e pegajosas) aos ouvidos dos jogadores que adequadas à atmosfera do game para o qual foram planejadas. Assim, a ideia de Hirokazu era não apresentar uma composição que grudasse em nossas cabeças. Ao contrário, pretendia impedi-lo de diferenciar a trilha dos efeitos de som de cenários, inimigos e da própria heroína por meio de temas amelódicos, tensos, mas como um organismo sonoro único e indissociável, para tentar passar, através da música, as sensações de Samus.
O ideal foi apenas parcialmente atingido. A representação musical dos sentimentos de Aran foi magistralmente conquistada, pois as composições conquistaram espaço entre as mais lembradas do gênero. Do outro lado, Tanaka falhou miseravelmente ao fazer com que a trilha passasse despercebida e não compusesse o repertório de assovios dos jogadores.
Ainda assim, estabeleceu o estilo musical para toda a série – que chegou ao auge com Kenji Yamamoto em Super Metroid –, além de ditar o padrão para jogos de ficção científica. O mais interessante das trilhas da trilogia original de Metroid é que, por serem totalmente sintetizadas, representam melhor o ambiente futurista e cibernético. Os bips e bops se adequam perfeitamente à proposta dos jogos, e a alternância entre ruídos aleatórios e músicas de ação frenética torna impossível ao jogador ficar indiferente, porque as batidas do coração são incontrolavelmente influenciadas pelas nuances musicais.
A era dos sintetizadores MIDI (tecnologia para criação de músicas no computador) permitiu a composição de temas fiéis ao ideal de ficção científica, com relevo aos temas Title e Brinstar. O primeiro pode ser definido como a expressão máxima do isolamento de Samus, ao passo que o segundo se apresenta como a tradução em notas musicais dessa aventura emblemática.
Quase uma década depois da trilogia original, a franquia foi complementada pela trilogia Prime. Junto dela novas composições foram introduzidas, agora em mp3, com estilo mais ocidentalizado, lembrando Tron, filme futurista da Disney de 1982, devido à participação do compositor Chris Rickwood, filipino de nascença, mas formado em composição musical nos Estados Unidos.
Com a introdução de sons de instrumentos emulados por computador, as trilhas ficaram mais diversificadas, complexas e estimulantes. É bastante prazeroso ouvir o tema Phendrana Drifts, com um piano misturado a sons distorcidos, simulando estática televisiva, sirenes e instrumentos digitais. As batalhas com chefes também são bem acompanhadas por bateria, cordas e corais, criando atmosfera de grande dificuldade e bravura.
No mais recente episódio da série, Other M, as trilhas ficaram a cargo de Kuniaki Haishima, que contou com a colaboração de duas orquestras reais para contar a história com melodia, trazendo temas que deixariam Tron com inveja.
Enfim, seja com instrumentos reais ou sintetizados, Metroid não descuida do estilo futurista, cibernético e marcante que, conforme aponta Haishima, "descreve os sentimentos e emoções de Samus". A tensão da aventura e seus desafios se mostram mais intensos e dramáticos com o apoio das trilhas compostas pelos vários profissionais de talento que tiveram o prazer de ter a série em suas mãos. Com isso, a cada capítulo da saga da caçadora os jogadores são brindados com um pacote completo e de qualidade, desde o primeiro bip até o último bop.
Carlos Eduardo Netto Alves é músico e líder do Multiplayers, grupo que promove concertos de trilhas sonoras de videogames no Paraná.