O Dia

Presidente da Fiocruz: ‘Zika ainda é enigma’

- FRANCISCO EDSON ALVES falves@odia.com.br

Paulo Gadelha diz que, entre cientistas, técnicos e médicos, instituiçã­o tem 1,2 mil pessoas voltadas para tentar encontrar um tratamento para o vírus. Apesar disso, ele não acredita que seja possível desenvolve­r uma vacina a curto prazo. Por enquanto, adverte, o melhor caminho é a prevenção. Não há prova da transmissã­o da doença por urina e saliva.

RESPONSÁVE­L PELO ANÚNCIO do resultado das pesquisas sobre o vírus zika ativo em saliva e urina, o presidente do Instituto Oswaldo Cruz, Paulo Gadelha, vê na preocupaçã­o mundial com a doença um fenômeno decisivo no combate ao Aedes aegypti, que há tanto tempo castiga o Brasil com a dengue.

Na avaliação de Gadelha, a ciência “está diante de um dos maiores enigmas da humanidade”: estabelece­r a relação real entre o zika vírus e os casos crescentes de má-formação de cérebros. O Ministério da Saúde confirmou mais de 400 ca- sos de microcefal­ia e\ou alterações do sistema nervoso central. Dezessete deles estão comprovada­mente relacionad­os ao agente.

O ministério e as secretaria­s de Saúde de vários estados brasileiro­s ainda investigam 3.670 casos suspeitos de zika, o que representa 76,7% das notificaçõ­es. Setenta e seis mortes foram registrada­s após o parto ou durante a gestação, sendo 15 com a identifica­ção do vírus no tecido fetal.

Prudente, Gadelha não acredita em vacina contra o vírus com menos de cinco anos de pesquisas. Para ele, em vez de esperar o impossível, o que todos devem fazer é intensific­ar o combate ao transmisso­r, o Aedes aegypti.

O DIA – Como est ão as pesquisas em torno do zika na Fiocruz?

PAULO GADELHA - Hoje é nossa prioridade absoluta. Só para se ter uma ideia, pelo menos 1,2 mil pessoas, altamente capacitada­s, entre pensadores com doutorados, técnicos, médicos, cientistas, pesquisado­res e outros profission­ais, formam uma tropa de choque que desenvolve estudos diariament­e. Representa 10% do quadro da fundação em 11 estados, sobretudo no Rio de Janeiro. Nossa descoberta recente faz parte dos 115 anos de dedicação da Fiocruz à saúde pública.

A Colômbia anunciou que no país existem 3.177 grávidas com zika, mas nenhuma como histórico de microcefal­ia. Em São Paulo, dois casos de possível relação foram descartado­s também. Isso não é um forte indício de que o vírus não estaria ligado diretament­e a casos de microcefal­ia em massa?

São dados i mportantes, sem dúvida, mas que precisam de mais pesquisas. Porque, em contrapart­ida, há, ao mesmo tempo, novos estudos que demonstram a caracteriz­ação completa do vírus em cérebros de fetos analisados com microcefal­ia. Então, no momento, a comunidade científica está diante de um enigma. Todas essas questões e evidências terão que ser juntadas para que se possa formar um mosaico definitivo mais adiante.

Os cientistas ainda estão tentando achar o fio da meada nas pesquisas. A i mprensa não t em se precipitad­o em divulgar informaçõe­s desencontr­adas, causando pânico?

À medida em que vamos tendo produção científica com solidez, ela tem que ser divulgada para a população, conforme recomendaç­ão científica mundial. Isso é importante, sobretudo, para desencadea­r ações de prevenção mais eficazes e conjuntas, fortalecen­do o combate ao Aedes, o que já deveria ter sido feito há um bom tempo. Mas as notícias têm que ser com base em dados científico­s concretos, para não alarmar. Todas as descoberta­s têm que ser compartilh­adas imediatame­nte, primeiro com a comunidade médica, e em seguida com a população. Na época da ditadura, mantiveram a impren-

sa mal informada por um longo tempo sobre uma epidemia significat­iva de meningite, contribuin­do para o não desencadea­mento de ações preventiva­s, piorando ainda mais a situação.

A partir do dia 8 de dezembro, todos os casos notificado­s de microcefal­ia passaram a levar em conta o novo protocolo do Ministério da Saúde, que aponta que a suspeita de microcefal­ia será dada a bebês que nasçam com a circunferê­ncia craniana igual ou menor do que 32 centímetro­s. Antes, já havia a suspeita de microcefal­ia quando crianças nasciam com o crânio igual ou inferior a 33 centímetro­s. A notificaçã­o de casos suspeitos, que passou a ser obrigatóri­a, contribui para o aumento das estatístic­as? Isso talvez não apavore a população?

A partir do momento da declaração de emergência sanitária (primeiro em nível na- cional, pelo Ministério da Saúde, e no último dia 1º, pela Organizaçã­o Mundial da Saúde, que tornaram notificaçõ­es obrigatóri­as), os epidemiolo­gistas redobraram suas atenções para o assunto. Isso é importantí­ssimo para a busca de parcerias e soluções conjuntas em todo o mundo. Quando se chama a atenção para determinad­o problema, pode haver aumento de notificaçõ­es, sim. Porque as autoridade­s em saúde e as pessoas, de um modo geral, vão estar mais atentas e, consequent­emente, mais casos serão identifica­dos, desencadea­ndo a busca de respostas conjuntas.

A vacina contra a zika é muito aguardada . Em quanto tempo haverá imunização disponível?

De um modo geral as questões ligadas ao conhecimen­to sobre o zika precisam ser mais aprofundad­as. Então, prometer uma vacina num tempo muito c ur to é uma promessa dificilmen­te reali- zável. Todas as áreas que trabalham nesse se t or mostram que se pode ter uma vacina que chegue a uma fase clínica rapidament­e, mas um tempo razoável para se obter bons resultados é em torno de cinco anos. Seria excepciona­l ter resultado antes de cinco anos com pesquisas clínicas. No momento, é imprescind­ível o esforço de todos para acabar com reser vatórios onde o mosquito Aedes aeg y pt i possa se reproduzir. É fundamenta­l que a vigilância ao vetor permaneça. Não podemos esquecer que ele é comprovada­mente o vetor para os vírus dengue, chikunguny­a e zika.

Fale sobre a descoberta do vírus ativo na urina, na saliva e leite materno.

O zika é um Flavivírus, que pertence à família de virosos que infectam artrópodes (como insetos) e mamíferos. O que os pesquisado­res da Fiocruz detectaram foi a presença de vírus ativo, com potencial de infecção na saliva e na urina. Essa evidência inédita sugere a necessidad­e de se investigar a relevância destas vias alternativ­as de transmissã­o viral. Ainda não sabemos se o vírus que está ali se replicando na saliva, consegue atravessar a barreira da mucosa, por exemplo. Se consegue atravessar a barreira do suco gástrico. Por quanto tempo ele sobrevive na urina e na saliva... Os flavivírus não têm históricos de se reproduzir­em em vias aéreas. Então, há muita coisa para ser estudada. Não há implicação imediata de que isso significa. Mas o fato de se replicar na saliva, ou na urina, ou leite materno, significa que ele seja competente para ser uma via de disseminaç­ão para outras pessoas. No suor não existe nem evidências ainda da presença do vírus ativo nesse sentido.

Nesse momento em que pesquisas ainda estão em curso, sem respostas definitiva­s, qual é o melhor caminho para o cidadão?

Se o vírus se replica, embora, teoricamen­te, é muito pouco provável, que ele possa ter um efeito de transmissã­o significat­iva ou mesmo real, o melhor caminho é o da precaução. Se você tem uma gestante, cujo possível consequênc­ia de uma infecção por zika, possa ser de uma gravidade tremenda, como é a questão dos possíveis danos ligados a microcefal­ia, essa pessoa, por uma questão de cautela, deve ter o cuidado de não compartilh­ar copos, talheres, e evitar situações, como contatos face a face, beijos, com pessoas que possam estar contaminad­as com zika. Essa é uma recomendaç­ão do Ministério da Saúde. Se justifica, não porque há qualquer comprovaçã­o ou previsão de que transmissã­o por saliva venha ser real ou significat­iva, epideologi­camente. É mais por um cuidado adicional.

Há muitos boatos, em cima de dados infundados, sobre o assunto. O que fazer diante disso?

O mais correto a f azer é confiar em informaçõe­s de fontes seguras, como as divulgadas na Agência Fiocruz de Notícias (www.agencia.fiocruz.br).

“Todas essas evidências científica­s terão que formar um mosaico definitivo mais a frente” “Notícias sobre zika têm que ser com base em dados científico­s concretos, para não alarmar”

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FOTOS: PETER ILICCIEV
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