O Dia

Campeão logo na estreia como puxador, Ciganerey revela: ‘Meu sonho é gravar um CD.’

- CAIO BARBOSA caio.barbosa@odia.com.br

ESTREANTE PÉ-QUENTE como puxador da Mangueira, Ciganerey, criado no Morro do Engenho da Rainha, abriu sua casa alugada em Inhaúma ao DIA para contar parte de sua história de luta dentro do Carnaval e de seu repertório de ‘causos’ impagáveis. Experiente, mantém os pés no chão e os sonhos dentro da realidade para seguir no posto do imortal Jamelão.

Aos 58 anos, 31 deles como coadjuvant­e na Marquês de Sapucaí, só agora Ciganerey experiment­a seus primeiros minutos de fama. Com uma simpatia ímpar e um humor inesgotáve­l, Paulo Roberto da Silva, que virou Ciganerey num terreiro de candomblé, se diz feliz comop intono lixo. Ebr incaco ma fama tardia, após a sorte virar no ano passado.

“Nunca havia ganhado nada na vida. Até ser sorteado e ganhar um carro do (supermerca­do) Guanabara. Me ligaram numa sexta- f eira, mas minha mulher achou que fosse trote e desligou. No domingo de manhã, ligaram de novo. Eu estava dormindo, de porre, e levantei revolta dopara atender. Quando falaram do carro, fiquei bom na hora”, brincou, às gargalhada­s.

Duro que nem um coco, vendendo o almoço para pagara janta,Cig aner eypens ou imediatame­nte em achar comprador para o carro. Mas foi alertado pela mulher, Rose Cristina, em tom profético. “Você vai vendera sua sorte ?”, perguntou a esposa. Coincidênc­ia ou não, em pouco tempo foi alçado ao posto de puxador oficial da escola e, em seu primeiro desfile, ajudou — e muito — a Mangueira a sair de uma fila de 13 anos sem título.

Filho de Ogum com Iemanjá, Ciganerey não quis dar chance ao azar antes de pisar na Sapucaí para cantar amenina de Oyáe se sagrar campeão do Carnaval, numa disputa ferrenha com Seu Zé Pelintra e os malandros batuqueiro­s do Salgueiro.

“Fiz minhas obrigações. Tomei meu banho de ervas, arriei oferenda para Ogum e, escondido, fui a Aparecida do Norte levar meu terno branco para o padre benzer. Cerquei por todos os lados”, revelou o cantor.

Avida simples num acasa onde a área nobreéa laje com i sopores de cer veja, uma piscina de plástico e uma churrasque­irinha portátil (“dá para ver que gosto de uma bagunça, né?”), é o retrato de um sambista tipicament­e suburbano, que solta pipa com as crianças da rua e azucrina os vizinhos com som alto.

“Quando saiu o CD oficial dos sambas deste ano, pus meu ‘aparelho de som de perturbar vizinho’ para repetir no volume máximo e saí pela rua cantando ‘Quem me chamou? Maaangueir­a’. Eu sou assim. Meu sonho de sambista é apenas poder gravar um CD”, revelou. A seguir, Ciganerey conta como foi passar do anonimato à fama:

NOITE DA VITÓRIA

Dormi apenas uma hora. Saí da quadra por volta de 1h30 da manhã, mas até chegar ao carro foram mais duas horas tirando foto. Não tinha jeito de sair dali, a não ser de rapel, via helicópter­o. Teriam que me içar lá na quadra. Eu estava cansado. Queria ir para casa comer alguma coisa gostosa, uma comida caseira. Peguei o macarrão que tinha feito na terçafeira, meti queijo, presunto e fiz daquilo uma lasanha. Uma delícia.

PROFECIA NO CEMITÉRIO

Eu sabia que viríamos para ganhar. Frequentei o barracão, todos os ensaios de todos os setores da escola. No enterro do (puxador) Luizito, dei entrevista à Rádio Tupi e falei que a Mangueira sempre foi igual à Fênix, que ressurge das cinzas. Lembrei disso após a vitória e me espantei. Provamos mais uma vez que somos assim.

SALGUEIRO FAVORITO

Com respeito ao Salgueiro, quando vi que o enredo era sobre a ‘Ópera dos Malandros’, pensei em Chico Buarque. Mas a escola falou sobre malandro e quase não falou do Chico. Nós falamos dos orixás, de Oyá e de Bethânia. Acho que fomos melhores, por isso vencemos.

CELEBRIDAD­E

A primeira coisa que fiz foi ir a o mer ca d o c o mpra r umas coisinhas. E vi que tinha virado celebridad­e. O locutor que estava anunciando promoção de lasanha só falava meu nome. Comprei até o que não precisava (risos). Depois foi todo mundo lá em casa. Um vizinho disse que vai trocar a Beija-Flor pela Mangueira. Eu disse para ele não fazer isso, mas ele insistiu: “Pô, mas eu não conheço o Neguinho. O Ciganerey eu conheço”, diverte-se.

TAMBORIM DE OURO

Ainda bem que ganhei porque, olha, o que tem de carcará não está no gibi. No enterro do Luizito, a gente estava velando o amigo, e chegou um puxador que todo mundo sabe quem é, nem cumpriment­ou ninguém, não foi no caixão, só queria saber do Chiquinho (presidente da Mangueira). Ficou todo mundo olhando. Toda vez que o Chiquinho balançava a cabeça afirmativa­mente eu pensava: “Já era. Levei uma rasteira. Toda vez que ele balançava negativame­nte, também pensava: Já era. Levei uma rasteira (risos)”. Mas é assim. No samba não se respeita nem amigo morto. Acho horrível. Felizmente, a Mangueira apostou em mim e hoje comemoramo­s o título.

SURPRESA NA QUADRA

Eu estava num ensaio da Grande Rio quando meu celular vibrou. Quando vi, estavam me mandando uma ma- téria do (site) Carnavales­co com o presidente Chiquinho anunciando que eu seria o substituto do Luizito. Comecei a tremer e mostrei para a minha mulher, que disse: “Liga para o Chiquinho agora!!!”. Respondi: “Eu não. Tá maluca? Deixa eu t omar uma cerveja e comemorar. E se eu ligar e for mentira? (risos)”. Só no dia seguinte eu liguei confirmei a notícia. Ainda bem que era eu mesmo.

ASSÉDIO FEMININO

Em janeiro uma pessoa que nem sei quem é foi no Facebook da minha mulher dizer que estava grávida. Era um perfil falso, para me desestabil­izar às vésperas do desfile. Sou casado há 5 anos e tenho três filhos. Uma adotiva, que peguei na rua com 6 anos, e dois ‘pré-pagos’, que fiz fora do meu primeiro casamento. Sou feliz, minha mulher está sempre comigo no samba.

SONHO REAL

Quero gravar um CD. Poxa, este é o sonho de todo cantor. O Jamelão tem vários, o Neguinho da Beija-Flor tem vários. Eu quero ter o meu também para gravar os sambas que fiz e os que eu gosto de cantar. Quero gravar obras como o ‘Juízo Final’, do Nelson Cavaquinho, ‘Retrato Cantado de Amor’ (Adilson Bispo), que o Reinaldo canta, e ‘Tá Escrito’, do Revelação (Xande de Pilares, Gilson Bernini e Carlinhos Madureira). Se puder, quero comprar minha casinha também, claro. Mas acho que o CD já seria muito legal neste momento.

“Ganhei carro no sorteio e ia vender. A mulher falou: vai vender a sua sorte? Fiquei com ele” “Arriei oferenda para Ogum e fui a Aparecida antes do desfile para cercar por todos os lados ”

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JOÃO LAET
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