O Dia

UM DESFILE QUE NUNCA TERMINA

- FERNANDO MOLICA E-mail: fernando.molica@odia.com.br

Oenredo que gostaria de ver no Sambódromo seria uma celebração aos desfiles, cortejos que nunca terminam. Uma homenagem como a que a Vila Isabel fez em 1984, quando levou para a Sapucaí um belo samba do Martinho da Vila que dava glórias aos trabalhado­res do samba: escultores, pintores, bordadeira­s, carpinteir­os, vidraceiro­s, costureira­s, figurinist­as, desenhista e artesãos, “gente empenhada a construir a ilusão”.

Martinho frisava que tudo se acabava na Quarta-Feira de Cinzas. Já Luiz Antonio Simas e Fábio Fabato pegaram o mote e batizaram seu ótimo livro sobre enredos de ‘Pra tudo começar na quintafeir­a’ — uma forma de ressaltar que a preparação dos desfiles começa assim que termina um Carnaval. Com o devido pedido de licença aos três, eu apostaria na continuida­de, num desfile que não tem começo nem fim, que faz parte de um mesmo todo. Afinal de contas, o processo é permanente, sem intervalo. Para reforçar este moto-contínuo, a comissão de frente da escola que traria o enredo vestiria as cores daquela que a antecedera na Aveni- da. Fantasias, alegorias e tripés reforçaria­m o tempo inteiro que cada escola é única em sua identidade, mas que faz parte um conjunto muito maior.

A divisão das alas mostraria as diversas etapas de preparação de um desfile, o detalhamen­to de um enredo, a escolha do samba, a apresentaç­ão dos protótipos de fantasias, a busca de grana, a elaboração dos carros alegóricos, o sufoco que é levá-los até o Sambódromo. O enredo falaria também dos torcedores, da gente que trabalha no entorno do Carnaval (vendedores de cerveja, de churrasqui­nho, de pendurical­hos). A última ala ostentaria as cores da agremiação que viria em seguida, um jeito de convidá-la para a festa.

Tudo para reforçar que, adversária­s na disputa pelo título, as escolas estão ligadas entre si —e a todos que as admiram — por elos simbólicos, peças fundamenta­is na construção do que somos. Uma corrente que vem de muito longe, que tem pontas perdidas no tempo, até hoje fincadas na África, na Europa, em tantos lugares, em todo o país. Corrente que não para de crescer e que nos liga aos nossos ancestrais mas que também nos remete a deuses, santos, caboclos e orixás. Força que emerge na nossa música, no nosso jeito de andar, de dançar, de celebrar, de encarar a vida. Uma história nada linear que não início nem fim, que planta hoje a semente que germinará no futuro e também no passado: o que ficou pra trás não morreu, vive e pode ser reinventad­o.

A comissão de frente da escola que traria o enredo vestiria as cores daquela que a antecedera na Avenida

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