DE PARIS A BANGU 8
Acusado de chefiar esquema de propinas de R$ 224 milhões, ex-governador está na cadeia que inaugurou
No fim da tarde de ontem, o homem que governou o Estado do Rio de Janeiro entre 2007 e 2014 deu entrada na penitenciária que ele próprio inaugurou, um ano depois de tomar posse. Desta vez, porém, Sérgio Cabral chegou ali como detento. Foi preso no início da manhã em sua casa, no Leblon, por agentes da Polícia Federal, a mando dos juízes Sergio Moro e Marcelo Bretas, em uma extensão da Operação Lava Jato. Ele é acusado de chefiar grupo que recebeu R$ 224 milhões em propinas de empreiteiras que atuaram na reforma do Maracanã, construção do Arco Metropolitano e PAC das favelas. No pedido de prisão, o MPF citou “deboche” do ex-governador, por causa de suas viagens e cenas de ostentação em Paris, com o empreiteiro Fernando Cavendish. Outras nove pessoas que participaram do esquema foram presas. No caminho até Bangu 8, ex-governador foi hostilizado, e populares comemoraram e até soltaram fogos.
Pela primeira vez, um preso foi recebido com queima de fogos de artifício e espumante ao entrar e não ao sair de um presídio. Assim foi recepcionado o ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, ao passar pelo portão do Complexo Penitenciário do Rio, na Zona Oeste. A “festa” foi promovida por bombeiros que o esperavam na portaria do local desde que souberam da sua prisão pela Polícia Federal na manhã de ontem. Ele é acusado de comandar um esquema de propina na contratação de obras do governo.
Segundo o Ministério Público Federal (MPF), Cabral recebia mesadas das empreiteiras Carioca Engenharia e Andrade Gutierrez para facilitar licitações de obras públicas, como o PAC Favelas, Arco Metropolitano, Maracanã e Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro. Também foram presos Wilson Carvalho (ex-secretário de governo de suas duas gestões); Hudson Braga (ex-secretário de obras), e mais sete participantes do esquema. Cabral, os ex-secretários e cinco dos acusados tiveram prisão preventiva, por tempo indeterminado, decretada. Um deles é Carlos Bezerra, amigo de infância de Cabral e assessor do expresidente da Assembleia Legislativa Paulo Melo.
Segundo as investigações, Bezerra pagou contas, com dinheiro ilícito, do círculo familiar do ex-governador. No processo, pelo menos três pagamentos estão listados: as faturas do cartão de créditos da mãe dele, Magaly Cabral, e para o cachorro-quente na festa do filho de Cabral – uma compra no valor de R$ 1.070. A polícia encontrou transferência de 10 mil euros para Susana Neves, ex-mulher dele, e de R$ 30 mil para Adriana Ancelmo, sua atual esposa.
No total, as investigações do MPF estimam o pagamento de propina ao grupo no valor de R$ 224 milhões. “O caso revelado hoje é um exemplo clássico que retrata os efeitos avassaladores da corrupção para o Brasil. Aqui no Estado do Rio de Janeiro hoje vemos claramente faltar o mínimo para a população na área de saúde e de segurança pública. Por isso, essas investigações são importantes e têm que ser levadas até o seu fim, doa a quem doer”, afirmou o procurador do MPF Athayde Ribeiro Costa, representante da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.
A vida de luxo dos acusados é vista no gasto com joias, mansões, carros blindados, lanchas e até vestidos de festas. Um colar de pérolas com fecho de ouro da ex-primeira dama da Cartier foi avaliado em R$ 500 mil. “Ele não é vendido no Brasil, só sob encomenda”, afirmou uma vendedora da loja no Rio.
Ontem à noite, em Bangu 8, presídio inaugurado na sua gestão, Sérgio Cabral teve a cabeça raspada, segundo agentes da Secretaria estadual de Administração Penitenciária (Seap). Ele recusou o jantar do presídio (macarrão, feijão, legumes, carne e refresco). A defesa de Cabral não respondeu aos contatos da reportagem.
Entre os outros presos, está Luiz Paulo Reis, que segundo as investigações, é apontado como “testa de ferro” de Hudson Braga. Tiveram prisão temporária de cinco dias: Paulo Fernando Magalhães Pinto, que foi assessor de Sérgio Cabral, e Alex Sardinha da Veiga, que é apontado como elo entre o governo e uma das construtoras.