A GALINHA CHORA, MAS O CLIENTE SORRI
Os carros de ovos, que vendem até 30 unidades por R$ 10, viraram uma febre e fazem a alegria de milhares de famílias diariamente nas favelas e no asfalto
O carro do ovo virou sensação no Rio, fazendo a alegria de vendedores e consumidores, como Daniel Ferreira e Vera Cerqueira. Nem mesmo o anúncio afetado e estridente atrapalha o negócio, que já sustenta famílias.
‘Corra freguesia! São 30 ovos por R$ 10! Eu disse R$ 10! Ovos graúúúúdos! A galinha chorooou, Coitada!!!”. O anúncio, feito com estardalhaço, exaustivamente, em tom de humor duvidoso, ecoa em alto-falantes, anunciando a chegada do `carro do ovo´. Um fenômeno nacional que ganhou as ruas. A espalhafatosa e estridente propaganda vem de veículos de passeio, kombis e caminhões. No Rio é uma febre, aquecida pelas redes sociais, que divulgam trajetos e espalham memes.
O inusitado comércio, como lenda urbana, gera especulações divertidas quanto à origem de tantos ovos, vendidos freneticamente nas favelas e no asfalto. Apesar de ainda não ser regulamentada — por isso não há números oficiais —, a atividade gera também ocupação e renda. É o caso do ex-bancário Daniel Ferreira, 35 anos, que descobriu “a galinha dos ovos de ouro”.
“É lucrativo, mas é preciso disposição”, atesta Daniel. Há um ano ele usa seu carro para despejar diariamente 4.690 ovos — ou 156 cartelas com 30 — nas panelas de donas de casa de cerca de 50 ruas do Rio, Niterói e São Gonçalo. Além de sustentar esposa e três filhos, Daniel se deu ao luxo de ‘contratar’ dois amigos desempregados: o professor de Português, Davi Velasco, 24, e o servente Gilcemar Vasconcelos, 44.
Assim como outros 80 revendedores (estimativa deles), todos os dias Daniel levanta às 4h e, às 6h, está na Ceasa, em Irajá, na Zona Norte. É de lá que sai boa parte dos 6,1 milhões de ovos produzidos anualmente no estado, segundo a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-Rio). Outra parte vem de São Paulo, Minas e do Sul.
FESTA DOS CONSUMIDORES
O aposentado Heraldo Ferreira, 67, não esconde que é um “baba ovo” do alimento popular mais badalado do momento e que a família faz até festival de receitas com o “coringa” da cozinha. “Ex-vilões da saúde, ovos são ricos em vitaminas do Complexo B”, justifica. “Ovos itinerantes são bem mais baratos. No supermercado, a dúzia custa R$ 6”, diz Neiva Souza, 47. “Tem uns que vêm até com duas gemas”, brinca Vera Cerqueira, 69. Se o mundo parece que vai acabar em ovos — a ponto de deixar, inclusive, moradores da Rua Costa Rubim, em Realengo, com vontade de jogar ovo choco no carro que toca “Galinha Pintadinha” e “Galo Carijó”, de domingo a domingo, às 8h —, a tendência é o aumento da produção. “Contemplamos 400 agricultores com o Kit Caipira (R$ 4 mil para cada um comprar 60 galinhas e construir galpão e área de ciscagem). As galinhas fluminenses são mais saudáveis porque não são confinadas”, canta de galo José Henrique Moraes, gerente de Pequenos e Médios Animais da EMATER-Rio. O carro do ovo virou até sucesso na voz de cantores populares, em diversos ritmos. É o caso do clipe ‘30 Ovos Dez Reais’, de Mr San, do Rio. O divertido vídeo, com mais de 3 minutos, é um funk que fala da felicidade de quem vende e compra no carro do ovo. Já teve quase 7 mil visualizações. E do impagável forró ‘Leve e Pague 40 Ovos’, de um tal Cris Kinho, já assistido por mais de 36 mil internautas. A obra tem até efeitos especiais com uma galinha gigante.