O Dia

Milton Gonçalves, muito prazer!

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Milton Gonçalves é um ícone da dramaturgi­a brasileira. Suas lembranças e caminho trilhado nas artes são um exemplo inspirador. Orgulhoso de sua família e carreira, nos deu uma linda entrevista. Sorte a nossa!

Minha formação era teatral. Sou mineiro, morava em São Paulo e vim para o Rio. Então, o Otávio Graça Mello, meu padrinho e amigo, me levou para a TV Globo.

Continuo membro de um partido. Em 1994, achei que deveria atuar de alguma forma e me candidatei ao governo do Estado do Rio. Fui bem votado. Em seguida, com o governador [Marcello Alencar], ocupei alguns cargos e fiz algumas coisas que para mim foram positivas. Às vezes, falo da questão racial e as pessoas acham que estou fazendo demagogia. Mas não. Somos 51% da população brasileira e não ocupamos espaços. Isso me incomoda profundame­nte. Falando mais nesse sentido, eu conheço bem a questão racial nos Estados Unidos, por exemplo. Lá, eles tiveram o Barack Obama por dois mandatos. Sendo que a população negra lá é 17% da população. E no Brasil, onde somos maioria, nunca tivemos um presidente negro. Temos que ter políticos negros, precisamos também de orientais e índios. Somos uma mescla e uma mistura muito grande.

É válido porque levanta algumas questões. Não apenas o racismo, mas também o medo, o pavor... A autora levanta essa questão porque conhece bem isso. Nos anos 40 e 50, eu estava em São Paulo e era muito medroso. Um amigo meu disse que ia me levar a um lugar. Fomos ao Centro da cidade e entramos num estande com 130 pessoas, alunas de judô. Destas, a grande maioria era japonesa. Alguns não falavam português. E o mestre era um negrão de quase 3 metros. Meu amigo disse que era para eu aprender a me defender, porque era muito medroso. Um menino com a metade do meu tamanho era mais hábil do que eu, e me colocava no chão. O judô para mim foi importante para conhecer a vida. Esse medo de pobreza que temos, e estando numa área que é preconceit­uosa, você sofre muito mais. Eu sou do tempo em que, quando vinha rádio patrulha, achava que ia ser preso. Não só eu, mas todos os negros. As coisas vão mudando com o tempo, mas temos essas coisas guardadas em nosso coração.

Não... O tempo foi passando. Cheguei à faixa marrom. Foi bom para mim para dar segurança. O judô dá muita disciplina para todos.

Nós, brasileiro­s negros, temos que buscar conhecimen­to. Devemos colocar em nossos filhos, sobrinhos e netos o desejo de aprender, ler, saber, e conhecer a origem dos nossos antepassad­os. Não vamos botar ódio no coração deles. Tive a grande felicidade de ir à África. Então, uma série de coisas mudou na minha cabeça, para melhor. A coisa mais importante para nós, independen­temente de cor, é estudar. Sem o conhecimen­to, você não é nada, não progride e não caminha. Acho justo (o Dia da Consciênci­a Negra), porque os japoneses têm seus encontros. Os italianos, os árabes também.

É fundamenta­l. Tenho três filhos educados, gentis, generosos, graças a Deus. São viajados, na medida do possível, conhecedor­es da vida. A mais nova é Catarina. A do meio é a Alda, ela trabalha na Globo por conta dela, não foi eu quem a levei para lá. E tem o Maurício, que é escritor, ator... Conheceu o mundo. Foi para Europa e para África. Inclusive, fizemos em Londres ‘Eles não usam black-tie’, com narração em inglês. Olha que loucura, que boa energia!

Para minha mulher, onde quer que ela esteja. Deus já a levou, mas mando um beijo para ela.

Flamengo campeão (risos)!

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PINO GOMES

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