O Dia

A arte não deve ser censurada

- André Lazaroni Presidente do Theatro Municipal e secretário estadual de Cultura

Desde que decidimos abrir as portas do Parque Lage para a exposição ‘Queermuseu’, tenho recebido mensagens a favor e contra nosso posicionam­ento. É um momento oportuno para refletirmo­s sobre a censura, muito mais do que para discutir sobre o que é ou deixa de ser arte. Não estou qualificad­o para determinar o que seja arte. Ninguém está, pois arte não se determina. A questão é: se algo desagrada aos meus olhos, como autoridade pública, devo proibi-lo?

Sou cristão e tenho três filhas, de 14, 11 e 5 anos. Se eu as levaria para uma performanc­e de nudez ou para a mostra ‘Queermuseu’, é outra questão. Estou certo de que a maioria dos pais agiria como eu, mas hoje, com a informação voando à velocidade da luz, quantos de nossos filhos já não receberam as imagens de ‘La Bête’ por e-mail ou pelo WhatsApp?

No museu, a indicação etária adequada precisa estar à vista, na entrada do evento ou da sala com conteúdo que possa ser considerad­o impróprio. Cabe a mim ou ao diretor do museu garantir que a indicação esteja lá. Mas não é nossa responsabi­lidade decidir quem entra ali (e com quem). Já coube ao Estado ditar tudo isso; hoje não mais, felizmente.

No século 19, em nossa cidade, os lugares do samba eram considerad­os su- jos, ambientes de perdição e imoralidad­e. Algo assim não deveria ocorrer hoje em dia, mas há retrocesso­s. Um empresário paulista publicou uma ideia legislativ­a no portal do Senado classifica­ndo o funk como “crime de saúde pública”. Precisamos perceber que só mudou o cenário das incompreen­sões. E refletir: hoje, quero proibir algo que me desagrada, mas e amanhã?

Nós, da Secretaria Estadual de Cultura e da Escola de Artes Visuais Parque Lage, queremos a ‘Queermuseu’

Erra quem generaliza ao dizer que o evangélico é a favor da censura, de proibir a arte com a qual ele não concorda. A grande maioria tem sua religião como um caminho para chegar a Deus, elevar sentimento­s, ajudar a melhorar um mundo tão ameaçado por ódio e confrontos. A maioria dos cristãos sabe que, ao longo da história, sua crença também sofreu incompreen­sões, censura, perseguiçã­o. Ainda acontece, em vários países.

Se há governante­s que preferem embargar uma exposição de arte, considero um equívoco. Não é minha intenção medir forças com ninguém, mas, como secretário estadual de Cultura, não tenho o direito de concordar com a censura. Existem manifestaç­ões de homens públicos, das quais discordo, que propõem mudanças na Lei Rouanet para vetar projetos que “vilipendie­m a fé” e “promovam a sexualizaç­ão precoce”. São conceitos subjetivos, abrem a estrada ao autoritari­smo. Como cristão, sei que Jesus não pertence apenas à minha religião. Ele faz parte do imaginário popular; portanto, é assunto para a arte. Também não acho honesto acusar artistas de pedofilia por obras tão abertas à interpreta­ção do público.

O Museu d’Orsay, em Paris, retomou uma campanha de 2015 chamada “Tragam seus filhos para ver gente nua”. Cartazes nas ruas, paradas de ônibus e estações de metrô têm obras famosas junto a frases chamando a família para o museu. Mesmo com a força do catolicism­o na França, a campanha não foi vetada, nem censurada a exposição. Eu não faria uma campanha com esse teor, tampouco censuraria a propaganda. Qualquer pedra que jogamos na liberdade volta-se contra nós para machucar.

Nós, da Secretaria Estadual de Cultura e da Escola de Artes Visuais Parque Lage, queremos a ‘Queermuseu’ em nossa cidade cosmopolit­a, mesmo sem dispor de recursos. Oferecemos o espaço e vamos buscar outras formas de financiame­nto, se for preciso. Sentimos muito se nosso posicionam­ento ofende alguém, mas acredito ter explicado nossa intenção de forma coerente.

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