A Virada, um suspiro de esperanças
Em meio às tempestades político -administrativas que atordoam o país neste fim do temibilíssimo 2017, tenho a petulância de agregar ao espírito carioca alguns mimos. Esta semana, entre o Natal e o Réveillon, o Rio deveria mesmo abrir-se em pétalas perfumadas, ao menos nesses dias de festas, flores e luzes.
Mas o que será o espírito carioca utilizado para soerguer a autoestima do Rio, por vezes tão combalida e problemática?
Bem, o espírito carioca é aquele velho e irrefreável sentimento de descontração, de largueza de gestos, do celebrarse a cidade que nos inspira a todos por sua beleza indestrutível — e não aquela que pode nos acabrunhar pela onda de violência, impunidade, desencontros. Não, as amargas, agora não. Nós, os cultores do Rio, sempre pretendemos uma cidade amável, fraterna e vista por um viés que anda adormeci- do pelas montanhas de problemas. Mas a velha urbe resiste. E sempre resistirá. Porque é o acúmulo de boas memórias, de sentimentos úteis, de gente que vale e valerá sempre a pena. De coisas, objetos, definições sociológicas que são só nossas. Cariocas. Carioquíssimas.
Como não entender como Carioquice esta gente fantástica que faz da música carioca a mais sedutora do mundo? Aí está um vértice — graças a Deus, miscigenado — que vai do gênio de Cartola na Mangueira ao não menos gênio de Tom Jobim em Ipanema. Ambos inundando o coração da cidade toda.
Como não absorver como Carioquice personagens como Sérgio Porto, ou Carlos Heitor Cony, ou Vinícius de Moraes, ou Nelson Pereira dos Santos, ou Martinho da Vila, ou Lan? E Ruy Castro, meu Deus? Com seus textos, seus cantos e seus traços modelados pela cara do Rio. Aliás, os cronistas e os caricaturistas (impossível não abraçar daqui Aroeira, Chico ou Jaguar) sempre puseram de pé a alma do nosso povo, em sua quintessência de verdades.
Como não degustarmos como Carioquice a comida carioca, aureolada triunfalmente pela feijoada dos sábados? Ou a glória nacional que é a caipia rinha? Ou outro suspiro de beleza que é a mulher carioca?
Como não vivermos em estado de Carioquice quando já roçamos o Réveillon? E os acúmulos do verão, da praia, do Carnaval das Escolas de Samba, dos blocos de rua? Que já se desvendam aqui ou acolá. É, finalmente, a Virada, que instala novas ideias, novos dirigentes, novas esperanças. No meio acadêmico, por exemplo, aonde gravito e de onde sugo prazeres estéticos ano após ano, as duas principais Casas de Letras, a monumental Brasileira de Letras e a menor mas bravíssima Carioca de Letras, dois novos presidentes já lá estão instalados. E que presidentes. Na de Machado de Assis, um gênio enciclopédico, libertário, surpreendente e voltado para o social, Marco Lucchesi. Na de José de Anchieta, um poeta clássico, um amigo amável, um pesquisador de joias da Literatura, Claudio Murilo Leal. Portanto, todo esse conjunto de eventos exalta a Carioquice — aliás, acaba de sair o ‘Almanaque Carioquice 2017’, editado pela Insight e pelo Instituto Cravo Albin, com mais de 200 páginas. Em resumo, a diversidade e a sinuosidade do Rio estão todas agregadas por lá. Vale conferir.