R$ 100 mil do próprio bolso para a ciência
Cientista da Uerj fez até empréstimo bancário para não fechar laboratório que investiga obesidade
Sem contar mais com o dinheiro da Faperj, que financiava sua pesquisa, Eliete Bouskela pediu empréstimo pessoal para manter o laboratório de Biologia Vascular, que coordena na Uerj. “Não estava conseguindo dinheiro. O que eu fazia? Desmantelava tudo?”, pergunta a professora.
Sem os recursos da Faperj, cientistas da Uerj passaram os últimos dois anos mais dedicados em salvar suas pesquisas, do que em avançar com elas. Segundo o sub -reitor de Pós-graduação e Pesquisa da universidade, professor Egberto Gaspar de Moura, os pesquisadores que conseguiram acumular recursos durante o bom ciclo de investimentos (20072014), tanto da área federal, quanto estadual, usaram a verba para manter os laboratórios funcionando, mesmo em ritmo lento.
Outros, no entanto, tiveram que recorrer até a empréstimos pessoais, em bancos privados, para que o trabalho de anos não fosse perdido. É o caso da professora Eliete Bouskela, coordenadora do Laboratório de Pesquisas Clínicas e Experimentais em Biologia Vascular da Uerj, que fez um empréstimo de R$100 mil.
“Eu não estava conseguindo dinheiro. O que eu fazia? Desmantelava o laboratório?”, indaga a professora. Entre os sofisticados equipamentos do laboratório da cientista, há um microscópio intravital, que permite imagens de processos biológicos em animais vivos. “Podemos, por exemplo, colocar uma droga e ver qual o tempo da resposta no tecido vivo”, afirmou a biomédica Carolina Barbosa, que integra a equipe que pesquisa os efeitos da obesidade no sistema intra renal e pressão arterial.
Segundo a professora Eliete, sua atitude não tem nada a ver com altruísmo. “Eu tenho um grupo muito bom. Tem gente que trabalha comigo desde 1982. Se eu desmantelo, as pessoas desaparecem e eu vou ter que recomeçar com um outro grupo”, justificou. A cientista, que no momento desenvolve pesquisas sobre obesidade, disse que o empréstimo pessoal, feito em 2016 para ser pago em 60 meses, era uma das três alternativas que lhe restavam. “As outras eram fechar o laboratório ou não aceitar mais alunos”. Segundo Eliete, R$ 100 mil não é um grande dinheiro pra fazer pesquisa. “Dá para tocar o basal no laboratório. O que a gente fez para sobreviver? Diminuiu os gastos. Ficamos só com o mínimo e passamos a escrever projetos que já tínhamos feito e não tivemos tempo de publicar. A gente se manteve assim”, contou a professora, que tem mais de R$1 milhão em projetos aprovados. “A Faperj, em 2016 e 2017, não pagou nenhum projeto. Basicamente, pagou bolsas. A gente tem esperança que volte a pagar os projetos em 2018”.
Enquanto o dinheiro não vem, a professora Eliete faz planos. Sua pesquisa é voltada para o estudo da obesidade e suas implicações, tanto em modelos animais quanto em seres humanos. “O objetivo da pesquisa é, basicamente, saber um pouco mais da doença, que está longe de ser elucidada. É uma doença multifatorial, tem várias causas. Além disso, gostaríamos de acompanhar os pacientes para saber qual deles vai ficar diabético, quem vai ficar hipertenso, quem vai ter as duas coisas e o quanto você tem de imprinting: o filho de pai e mãe gordo, vai ser gordo?”, contou a cientista. Paralelamente às pesquisas, Eliete também quer fazer atendimento ambulatorial de pacientes obesos. Para tanto, um centro espe-
Projeto é acompanhar implicações do excesso de peso, como a diabetes
cializado em obesidade está em construção, numa área ao lado do Hospital Universitário Pedro Ernesto. A obra, que já consumiu R$ 11 milhões, está parada há dois anos, por falta de verba. “A demora atrasa muito a pesquisa. A gente podia estar atendendo mil pacientes por semana”, lamenta.
Eu não conseguia dinheiro. O que eu fazia? Desmantelava o laboratório? ELIETE BOUSKELA, pesquisadora