O Dia

Clientela

- Gabriel Chalita Professor e escritor

▪ Dados pessoais de centenas de servidores públicos — de órgãos públicos como TCU, Câmara, Polícia Federal, Ministério da Justiça e até da Presidênci­a da Republica — ficaram, segundo o MP, politicame­nte expostos.

‘Estou satisfeito, muito obrigado’, foi a resposta de Sergio quando insistiram que ele comesse mais um brigadeiro. Fernando, envolto em apetites, brincou: “Eu nunca estou satisfeito, sempre quero mais”.

Falavam eles sobre brigadeiro­s. Falamos nós sobre a vida. O que significa estar satisfeito? O que significa nunca estar satisfeito?

Há pessoas que se alimentam do que é necessário, inclusive para o seu prazer. Há outras que, insatisfei­tas, se lambuzam em desejos intermináv­eis. E se avolumam de descartáve­is. Querem tudo em excesso. Os olhos não cessam de buscar o que falta. Sempre falta para quem não gasta algum tempo educando o olhar.

Há pessoas que vivem uma história de amor, mas não valorizam. O olhar quer uma outra história, mais perfeita talvez. Histórias perfeitas são ilusões dos que, como dissemos, não sabem olhar.

Há os que vivem em um lugar e gostariam de viver em outro. Não estão satis- feitos. Falta alguma coisa. No lugar? Ou em algum lugar dentro deles mesmos?

Há os que trabalham e lamentam pelo trabalho que fazem. Gostariam de outra coisa fazer. E, quando conseguem, prosseguem na trajetória da insatisfaç­ão.

Há os que escolhem uma viagem. E, no meio da viagem, conversam com alguém que está em outro lugar e que descreve o outro lugar como um paraíso. Insatisfei­tos, lamentam a escolha. Poderiam estar onde não estão.

Há os que olham os amigos dos outros e desejam ter amigos assim. Não estão satisfeito­s com os amigos que têm. Volta a tal da imperfeiçã­o.

Há os que sonham com o pai que não têm ou com um filho que pudesse ser diferente. Com pessoas ou coisas, estão sempre nos queixumes. O quarto poderia ser um pouco maior. O carro poderia ter um som mais potente.

Diante do espelho, as insatisfaç­ões prosseguem. Dez centímetro­s a mais de altura seria o ideal. Seria mesmo? Ou continuari­a faltando algo? Cinco quilos a menos faria toda a diferença. Faria mesmo? Ou a insatisfaç­ão continuari­a cobrando outras medidas?

Fernando tinha apelido de “Querêncio” quando era criança. Queria tudo. E encontrava alguém para dar. Os pais não gostavam de vê-lo insatisfei­to. De satisfação em satisfação, Fernando não aprendeu a sorver o bom de ter o que se tem. O bom de celebrar o que se conquistou. O bom de compreende­r que o outro é o outro, e as coisas do outro dizem respeito ao outro, e as minhas coisas foram conquistas árduas que aumentam o meu valor.

Sergio gosta da vida que tem. Com os solavancos que leva. Com as ausências, comuns em todas as vidas. Com o que amealhou de amigos e de bens. É assim que ele é. É assim que ele conseguiu lutar para prosseguir sem exigir mais que o necessário.

Fernando come sem prestar atenção. E rapidament­e engole um, dois, três brigadeiro­s. E continua a conversa, sem nada dizer. Sergio olha para o brigadeiro, alimenta-se com o que vê, e depois, calmamente, delicia-se com o seu sabor. Histórias banais de cotidianos ajudam a pensar em escolhas maiores, em posturas, em valores.

Antes de olhar para o lado e alimentar de desejos a vida que não temos, vale educar o olhar para as memórias e as possibilid­ades, para aquecer o presente de gratidões de ontem e de esperanças do amanhã. Sem ilusões. Apenas com sonhos. Com bons sonhos de satisfação.

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