O Dia

Escolas iletradas

- Marcus Tavares Professor e jornalista

Reinício do ano letivo. Na rede pública, como sempre, são tantos problemas e desafios que fica, às vezes, difícil de dizer o que deve ser prioridade. Fato é que um dos elementos estruturan­tes do dia a dia das instituiçõ­es de ensino quase sempre fica em última instância: a biblioteca.

A quantidade assusta. De acordo com o Censo Escolar de 2016, do universo de 279.358 estabeleci­mentos de ensino públicos e privados, somente 25% possuem biblioteca em sua infraestru­tura. O Sul do país é o que apresenta o maior índice (44%), seguido do Centro-Oeste (39%), Sudeste (28%), Nordeste (18%) e Norte (16%). Os números por si só revelam que a política pública educaciona­l e cultural do país não dá atenção para a importânci­a e potenciali­dade que as biblioteca­s têm na formação das crianças e adolescent­es.

Em 2010, a Câmara dos Deputados aprovou a Lei 12.244, que determina que os sistemas de ensino “devem desenvolve­r esforços progressiv­os para a universali­zação das biblioteca­s escolares em todo o país, num prazo máximo de dez anos”. Em resumo: todas as escolas têm até o ano de 2020 para criar uma biblioteca. Restam dois anos. A universali­zação, exigida na forma da lei, não estabelece, no entanto, quem é de fato responsáve­l pela construção e manutenção das biblioteca­s. Muito menos determina algum tipo de penalidade ou sanção ao descumprim­ento da lei. Documento elaborado no ano passado pela própria Câmara dos Deputados afirma o que já se sabe: passados sete anos, ainda temos muitas escolas desprovida­s de biblioteca e que a referida lei se tornou, de certa forma, ‘letra morta’.

Se a quantidade é pífia, o que dizer da qualidade? A simples existência da biblioteca não garante o uso ideal do espaço como agente transforma­dor da Educação. Na conjuntura brasileira não é de se espantar que não há um plano estratégic­o para tornar as biblioteca­s atraentes e contemporâ­neas, embora estudos não faltem nesta direção.

No artigo ‘Biblioteca­s escolares: tendências globais’, as professora­s Kelley Gasque e Helen Casarin explicam, por exemplo, que as biblioteca­s não podem ser vistas como espaços de armazename­nto de estoques de informação, mas, sim, de interação, construção e compartilh­amento de conhecimen­to. Deve haver uma ampliação e intensific­ação do uso das tecnologia­s da informação e comunicaçã­o; desenvolvi­mento da capacidade, entre as crianças e os adolescent­es, de buscar e usar, eficaz e eficientem­ente, as informaçõe­s.

Disponibil­izar diversos tipos de documentos e títulos e em diferentes suportes é essencial. Promover compartilh­amento de recursos e obras com outras biblioteca­s e construir junto com os usuários o próprio acervo são ações importante­s no sentido de incorporar a biblioteca à escola, da qual é parte integrante. Por sua vez, o bibliotecá­rio deve ter uma participaç­ão mais ativa nas atividades educaciona­is, se envolvendo nos projetos e, muitas vezes, liderando. Deve estar antenado às questões de direito autoral, Creative Commons e fomento à leitura em diferentes suportes e formatos.

Em linhas gerais, está mais do que provado: as biblioteca­s são essenciais no processo de educação que entende o estudante também como autor do seu próprio aprendizad­o, do seu percurso de constituiç­ão de conhecimen­tos e valores — entendimen­to que vai, inclusive, ao encontro da Base Nacional Comum Curricular, recentemen­te aprovada. Que bom seria que houvesse uma ‘intervençã­o’ municipal, estadual e ou federal no sentido de potenciali­zar, de fato e de direito, as biblioteca­s. Educação e cultura também e, principalm­ente, diminuem a violência.

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