O Dia

Caó, um gigante

- Chico D’Angelo Deputado federal (PDT-RJ)

Joaquim Nabuco, líder abolicioni­sta da segunda metade do século XIX, afirmava que a escravidão era a grande marca do processo de formação do Brasil. Disse ainda, no contexto de lutas pela abolição do cativeiro que culminou com a Lei Áurea, em 1888, que mais difícil que acabar com a escravidão seria acabar com a obra da escravidão e sua face mais perversa, o racismo.

Cento e trinta anos depois da Lei Áurea, a luta contra o racismo, conforme demonstrou o desfile de 2018 do GRES Paraíso do Tuiuti, continua sendo uma tarefa árdua. Neste processo, um dos nomes mais relevantes ao longo da história brasileira foi o de Carlos Alberto Oliveira dos Santos, o Caó, recentemen­te falecido.

Conterrâne­o de Carlos Marighela, baiano de Salvador, Caó foi uma das mais expressiva­s lideranças políticas brasileira­s na luta contra o racismo. Nascido em 1941, filho de uma costureira e de um marceneiro, Caó mergulhou na militância política muito jovem. Iniciou sua trajetória nos movimentos de bairro de Salvador e no movimento estudantil, chegando a presidir a União Estadual dos Estudantes da Bahia, em 1963, e a ser vice-presidente da União Nacional dos Estudantes.

Mudando-se para o Rio de Janeiro após o golpe de estado de 1964, Caó cursou Direito na Universida­de Federal do Rio de Janeiro e iniciou marcante trajetória na imprensa carioca, aliando o trabalho de jornalista à militância sindical. Perseguido pela ditadura passou seis meses preso em virtude de um Inquérito Policial Militar. Foi presidente do Sindicato dos Jornalista­s do Município do Rio de Janeiro, no início da década de 1980.

Com o processo de redemocrat­ização, Caó se filiou ao Partido Democrátic­o Trabalhist­a, de Leonel Brizola. Foi eleito Deputado Federal em 1982, exerceu o cargo de Secretário do Trabalho e da Habitação do governo de Brizola e participou ativamente do programa “Cada família, um lote”, que regularizo­u terrenos em favelas.

Caó foi autor da histórica Lei 7.437/1985, que mudou o texto da Lei Afonso Arinos, de 1951, e passou a considerar que o preconceit­o de raça, cor, sexo e estado civil era contravenç­ão penal. A matéria ficou conhecida como Lei Caó.

Como deputado constituin­te pelo PDT, foi responsáve­l pela inclusão na Constituiç­ão Cidadã de 1988 do inciso ao Artigo 5º, que tornou racismo crime inafiançáv­el e imprescrit­ível. Mais tarde, elaborou a Lei 7.716/1989, que regulament­ou o texto constituci­onal determinan­do a prisão para o crime de preconceit­o e discrimina­ção de raça ou cor.

Relembrar o exemplo de Caó, seu espírito público, sua militância contra a chaga do racismo, é assumir a gigantesca tarefa de superar a obra da escravidão denunciada por Joaquim Nabuco. Que seu exemplo e liderança, mais de 300 anos depois do grito de liberdade lançado por Zumbi na Serra da Barriga, no Quilombo dos Palmares, seja uma bandeira de luta desfraldad­a. Viva Caó!

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