O Dia

GOLPES E BOATOS PELO ZAP FAZEM CADA VEZ MAIS VÍTIMAS

De falsas e alarmantes informaçõe­s sobre a greve dos caminheiro­s a acusações de crimes contra inocentes, aplicativo usado por 120 milhões tornou-se meio para a difusão de mentiras. Veja como evitar cair nessas armadilhas.

- CÁSSIO BRUNO cassio.gomes@odia.com.br

Quem nunca recebeu informaçõe­s suspeitas em grupos no WhatsApp? Com mais de 120 milhões de usuários no Brasil, o aplicativo, comprado pelo Facebook em 2014, se transformo­u em terra de ninguém. O compartilh­amento de fake news (notícias falsas, quase nunca checadas a veracidade) tem provocado transtorno­s e destruído reputações das vítimas, além de servir para aplicar golpes.

A assessora legislativ­a Rayana Gomes da Costa, de 25 anos, quase viveu uma tragédia dentro de casa, em 2015 por acreditar em fake news. À época, grávida de sete meses do filho Luiz Fernando, ela ignorou as orientaçõe­s do obstetra e não tomou as vacinas necessária­s para prevenir doenças. Segundo a mensagem recebida pelo WhatsApp, as doses poderiam causar na criança microcefal­ia, problema neurológic­o que reduz a massa cefálica e o crânio. Naquele ano, havia um surto da doença. Rayana se arrepende. “Não tomei as vacinas. Pus em risco a vida do meu filho”, admitiu.

Uma das mais recentes ondas de fake news surgiu após a greve dos caminhonei­ros. Mesmo com o fim da paralisaçã­o há 10 dias e o desbloquei­o de estradas, textos sobre uma nova manifestaç­ão circularam no WhatsApp. Na Central de Abastecime­nto do Rio (Ceasa), alguns comerciant­es tiveram prejuízos com o alerta falso.

Ewerton Pereira, de 40 anos, metade deles dedicado ao trabalho no local, foi um. Dono de uma loja de frutas, ele deixou a folga de domingo com a família de lado e decidiu abrir o estabeleci­mento. Por causa da notícia falsa de que a greve recomeçari­a na última segundafei­ra, dia 4, o bolso foi prejudicad­o, e o descanso, interrompi­do.

“Os boatos começaram na sexta-feira (dia 1º). Ficamos apreensivo­s. Sem saber se era verdade ou não, trabalhamo­s no domingo para reabastece­r os produtos. Paguei luz e hora extra dos funcionári­os”, revelou Pereira.

As celebridad­es também são alvos. Quando acordou na manhã de 29 de maio, o cantor e compositor Neguinho

Pelos menos 8,8 milhões de pessoas foram impactadas por notícias falsas só no primeiro trimestre, diz pesquisa

da Beija-Flor foi bombardead­o por mensagens de fãs, amigos e familiares. Desesperad­os, todos queriam saber o que de fato estava acontecend­o. Não demorou para o artista descobrir: a informação falsa de seu assassinat­o corria pelo WhatsApp. Um sobrinho de Neguinho chegou a passar mal.

O responsáve­l pela divulgação foi identifica­do. Ele disse ter recebido a fake news em um grupo de amigos e, sem checar, repassou. Neguinho não procurou a polícia, mas gravou um vídeo para provar que estava vivo. Às vésperas de uma turnê por 10 países da Europa, o cantor, intérprete oficial da escola de samba de Nilópolis, teve de acalmar os contratant­es dos shows para evitar uma catástrofe na carreira.

“Tudo isso é o efeito colateral da internet nos dias de hoje. Fui vítima de fake news pela segunda vez. Agora, foi mais violenta porque o morto que apareceu na foto se parecia comigo. Não desejo isso a ninguém”, ressaltou Neguinho em entrevista ao DIA.

Antônio Fagundes sofreu o mesmo drama em 17 de maio. No vídeo, um homem, parecido com o ator e aparenteme­nte bêbado, apanha de outro mais jovem, cai no chão, em um posto de gasolina. Ele e a esposa negaram se tratar de imagens do artista. “O vídeo que está circulando esta manhã envolvendo o nome de Antônio Fagundes é fake”, dizia o perfil oficial de Antônio Fagundes no Instagram.

No ano passado, um comerciant­e, que não quis se identifica­r, ficou traumatiza­do. Ele foi espancado por moradores de uma cidade no interior do Rio. Pelo WhatsApp, espalharam a informação mentirosa de que ele era um sequestrad­or de crianças. A foto do carro dele viralizou no aplicativo.

“O meu carro foi destruído. Até hoje não recuperei o prejuízo. Fiquei com dívidas e hoje dependo da ajuda dos meus filhos. A minha vida acabou”, desabafou o comerciant­e, emocionado.

A vítima conversava com uma mulher. Os dois foram cercados por dezenas de moradores, que iniciaram a sessão de agressões. Eles só não foram mortos graças à intervençã­o de guardas municipais no momento da confusão.

Em abril do ano passado, um golpe no WhatsApp prometia um vale-presente de R$500damarca­decosmétic­osOBoticár­io. O cupom falso era, na verdade, uma armadilhap­araroubard­osusuários­informaçõe­s pessoais e deixar os celulares com vírus. Pelo menos 50 mil pessoas caíram no golpe em apenas cinco dias.

A mensagem fake dizia: “Olá, O Boticário estão (sic) dando vales-presentes gratuitame­nte. Eu recebi o meu. Garanta o seu antes que a oferta termine”. E pedia ainda para que a vítima do golpe clicasse em um link.

O país não tem uma legislação específica para punir quem espalha mentiras nas redes sociais. Há pelo menos oito projetos de lei em tramitação no Congresso sobre o tema. No entanto, quem as divulga não está livre de ser responsabi­lizado civil ou criminalme­nte pela Justiça.

Pelo menos 8,8 milhões de pessoas foram impactadas por fake news no primeiro trimestre deste ano — 96% via WhatsApp. O dado é do Relatório de Segurança Digital, divulgado em maio pela PSafe, startup brasileira que desenvolve aplicativo­s. A projeção foi com base no número total de usuários de smartphone­s no país.

“Há dois grupos que espalham as notícias falsas. O primeiro, e o mais comum, tem objetivo meramente financeiro. O segundo mira na manipulaçã­o da opinião pública, difícil de mapear”, explicou Emílio Simoni, diretor do laboratóri­o responsáve­l pela pesquisa.

A estratégic­a de caluniar e difamar adversário­s será usada por políticos que vão disputar as próximas eleições, aponta o desembarga­dor Nagib Slaib, do Tribunal de Justiça do Rio. Professor de Direito Constituci­onal e juiz eleitoral, ele admite a dificuldad­e de controlar a proliferaç­ão dos boatos e a identifica­ção do autor.

“Chegou numa escala que ficou incontrolá­vel. As pessoas têm de fazer pelo menos o básico antes de repassar: desconfiar de tudo e checar as informaçõe­s”, alertou o magistrado.

Ao participar de um evento sexta-feira, em São Paulo, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luiz Fux, também ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que a Justiça irá “remover imediatame­nte” as notícias falsas que se espalharem pelo país. “Temos que atuar preventiva­mente na inteligênc­ia”, disse.

Como distribuir fake news não é crime, não há estatístic­as na polícia de vítimas prejudicad­as. Procurado pelo DIA, o WhatsApp informou não ter nenhum posicionam­ento oficial sobre o assunto.

 ?? MARCIO MERCANTE / AGENCIA O DIA ?? Neguinho da Beija-Flor divulgou vídeo para mostrar que a informação sobre sua morte era falsa: um alerta a fãs, amigos e parentes Moradora de Duque de Caxias, Rayana Gomes da Costa arriscou a saúde do próprio filho, em 2015, quando estava grávida. A jovem, então com 23 anos, ignorou as orientaçõe­s do obstetra e não tomou as vacinas necessária­s para protegêla e também ao bebê. A decisão de ignorar o médico foi tomada após receber mensagem que afirmava que as doses causariam microcefal­ia na criança Um exemplo perigoso de mensagem divulgada no WhatsApp. O texto do boato pedia para denunciar ao 190
MARCIO MERCANTE / AGENCIA O DIA Neguinho da Beija-Flor divulgou vídeo para mostrar que a informação sobre sua morte era falsa: um alerta a fãs, amigos e parentes Moradora de Duque de Caxias, Rayana Gomes da Costa arriscou a saúde do próprio filho, em 2015, quando estava grávida. A jovem, então com 23 anos, ignorou as orientaçõe­s do obstetra e não tomou as vacinas necessária­s para protegêla e também ao bebê. A decisão de ignorar o médico foi tomada após receber mensagem que afirmava que as doses causariam microcefal­ia na criança Um exemplo perigoso de mensagem divulgada no WhatsApp. O texto do boato pedia para denunciar ao 190

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