A pior condição prisional das Américas
“Uma das piores situações carcerárias dos países da América”, segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, se encontra no Complexo Prisional de Gericinó, Zona Oeste do Rio de Janeiro. A declaração, emitida no dia 12 de novembro, deve soar como um alerta. Em um país cuja história política, social e econômica está atravessada pela barbárie da tortura, a denúncia das condições desumanas nos presídios tem encontrado barreiras.
A questão já obteve reconhecimentos oficiais pontuais, tendo ministros de Estado afirmado que os presídios brasileiros são como “masmorras medievais”, bem como ministros do STF firmado entendimento de que o sistema penitenciário encontra-se em um “estado de coisas inconstitucional”. Mas nada até o momento mudou o curso dessa história, apesar do esforço de vítimas, da sociedade civil e de órgãos de direitos humanos nacionais e internacionais.
A Cadeia Pública Jorge Santana, alvo do alerta feito pela Comissão, foi inspecionada pelo Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro em setembro de 2018. Em seu trabalho de âmbito estadual, o órgão tem se deparado com uma realidade prisional em que 51 mil internos vivem em locais precários, com funcionários em número insuficiente, sem insumos básicos para atender à dignidade humana e com capacidade de lotação para, supostamente, 27 mil vagas. Uma realidade que segue a tendência nacional. O Brasil possui atualmente a terceira maior população prisional do planeta, sendo conhecido pelas violações e massacres em seus presídios – e fora deles.
E foi esse o Brasil que a Comissão Interamericana encontrou nas celas A e B da unidade. Em apenas duas celas estão custodiados 382 presos provisórios, majoritariamente jovens e negros, que devido a necessidades médicas demandam atenção especializada de modo permanente. Tratam-se de pessoas baleadas por armas de grosso calibre, muitas mutiladas (mas sem muletas ou cadeiras de rodas), utilizando bolsas de colostomia vencidas, com feridas infeccionadas outras inflamações. Alguns presos tem balas alojadas na cabeça, apresentando confusão mental.
À Comissão Interamericana, em novembro, e ao Mecanismo, em setembro, as autoridades disseram que tais celas serviriam como espécies de enfermarias, onde os presos teriam acesso a cuidados médicos e proximidade em relação à Unidade de Pronto Atendimento do complexo prisional. Contudo, quem inspeciona a unidade não encontra os médicos, enfermeiros ou auxiliares de enfermagem. Os presos clamam por medicamentos e cirurgias, mas tampouco há um serviço de transporte ou hospitais destacados para o quadro de crise.
Na ausência de salubridade, de camas, de curativos, de banho de sol, de ambulatórios e de profissionais, falta, sobretudo, uma prática de saúde integrada à realidade prisional, como propõe a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP). Além de implementar tal plano, existem outras propostas para que Judiciário, Legislativo e Executivo atuem na reversão desse quadro. Uma delas é garantir que presos baleados ou enfermos sejam apresentados em audiências de custódia. Atualmente, presos baleados são levados para hospitais, de onde saem diretamente para o sistema prisional, sem que haja a avaliação presencial por um juiz, conforme determinação legal.
Outras propostas apontam para a necessidade de diminuir o uso da prisão provisória e para retirar da tutela penal a política nacional sobre drogas, onde as respostas mais efetivas se veem nos campos da saúde, da renda e do emprego.
O relatório do Mecanismo sobre a Cadeia Pública Jorge Santana registrou “as piores condições de saúde de pessoas presas já testemunhadas por uma delegação do MEPCT/RJ”, num momento em que o órgão prepara um relatório sobre saúde no sistema prisional. Ao diagnosticar “uma das piores situações carcerárias dos países da América” a Comissão Interamericana sobe o tom de suas preocupações em relação ao Brasil.
Que sirva para estimular as autoridades a interromperem a espiral de violência e de violações de direitos, as quais se intensificam quando não há respeito aos direitos humanos dentro e fora dos muros das prisões. É preciso dizer, contudo, que três semanas após a visita da Comissão, nenhuma medida foi anunciada.
Alexandre Campbell, Fabio Cascardo, Graziela Sereno, Natália Damazio, Patrícia Oliveira e Renata Lira