A fração da razão
Neste exato momento onde vigora um certo anti iluminismo e um anti intelectualismo no Brasil, recorro a questão colocada por um dos maiores pensadores de nossa civilização, reitor da Universidade de Berlim (1830), George Wilhelm Friedrich Hegel: “que razão de fração e do bom senso pode estar contida em fenômenos assustadores e estranhos?”.
É a partir deste pergunta que percorro minha reflexão, na busca por pontos que possam conectar a uma certa racionalidade que nos mantenha no caminho do progresso, não nos afastando do humanismo edificado no ocidente após o holocausto nazista.
Tentar encontrar pontos simétricos numa conjuntura tão adversa como a que vivemos no Brasil pós 2013, parece um exercício impossível, porém necessário. Encontrar convergências neste momento, parece-me um rascunho importante para conseguirmos avançar num rumo menos acidentado ao futuro.
A síntese da razão que Hegel tanto defendia nos serve como anteparo para tentarmos exprimir aquilo que poderia vir a nos organizar enquanto civilização neste século XXI. No Brasil do amanhã não cabe homofobia, racismo, desigualdade social, maiorias em detrimento de minorias, machismo ou falsificações fáceis da história.
O Brasil do futuro é aquele que reconhece na sua desigualdade social a chaga do racismo; que compreende que uma economia mais liberal propicia ao Estado o exercício da ética distributiva; que não se deixa submeter ou ser refém de corporações sindicais ou patronais; que crê num Estado cuja essência está na sua
capacidade de gerir e gestar entregas singulares ao seu povo; que não se dobra às chantagens geopolíticas, tão próprias deste mundo cujas fronteiras só existem às pessoas; e que reconhece no direito das minorias a verdadeira democracia das maiorias.
Nosso país, infelizmente, não sairá facilmente destas polarizações que tentam colocar nossas diferenças em puxadinhos de um ou de outro. Por certo, e parafraseando Hegel, precisamos fazer uma incessante busca arqueológica pelas frações da razão onde menos poderíamos imaginar. Mas são os homens que edificam essas verdades, não a vã filosofia.
O Brasil se ressente de um novo campo político que possa dialogar com os extremos, de modo que possamos voltar a produzir sínteses, próprias de um humanismo tão necessário em tempos sombrios.
A ideia de um novo indivíduo ou de um novo país pode ser profunda. Mas será ineficaz e provisória, a menos que seja incorporada por setores sociais, políticos e econômicos verdadeiramente comprometidos com a democracia e com as nossas diferenças. Para Hegel, as ideias de Jesus só foram possíveis de serem levadas ao mundo por conta da construção de uma instituição chamada Igreja. Para este novo Brasil, que conecte compromissos do passado com o futuro, ou a classe política refaz, obrigatoriamente, o percurso do diálogo, ou outros atores haverão de assumir essa responsabilidade.