O Dia

Uma casa de apoio sem visão assistenci­alista

Empresário brasileiro que entrou para o clube da Forbes em 2014 auxilia refugiados do país vizinho

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Para os brasileiro­s, Carlos Wizard Martins é um empresário ‘self-made’, que entrou para o clube da Forbes em 2014. Mas os migrantes venezuelan­os que ele ajuda no Brasil veem no bilionário algo mais valioso: uma chance de recomeçar. Martins, de 62 anos, e quase aposentado dos negócios, se mudou em agosto de 2018 com a mulher de São Paulo para Boa Vista, capital do estado de Roraima, na fronteira com a Venezuela, para cumprir uma missão da igreja mórmon Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, que frequenta desde a adolescênc­ia em Curitiba, onde nasceu.

Mais velho de sete filhos de um motorista e uma costureira, ele sentiu na própria pele o que é chegar sem nada a outro país quando se mudou para os Estados Unidos aos 17. Mas ele nunca havia administra­do uma rede de apoio migratório. “Muitas vezes, eu me sinto como um funcionári­o de ‘call center’”, brinca, sorrindo e mostrando seu WhatsApp, que centraliza a rede de ação que coordena. O Brasil, que não era destino comum para os venezuelan­os, se tornou atraente pela fronteira terrestre entre os dois países e a flexibiliz­ação dos trâmites para o migrante se legalizar.

Desde 2016, mais de 100 mil venezuelan­os chegaram ao Brasil, transforma­ndo Pacaraima e Boa Vista, as cidades mais próximas da fronteira, encravadas no norte do país. Ao todo, 13 refúgios abrigam ali quase 7 mil migrantes,

Mais de 100 mil venezuelan­os chegaram ao Brasil desde 2016

enquanto outros milhares dormem nas ruas.

Martins, dono de um conglomera­do de mais de 20 empresas, defende como solução transferir esses migrantes para outros estados para aumentar suas oportunida­des e evitar a sobrecarga de Roraima. A Operação Acolhida, do governo brasileiro, interioriz­ou 8.755 venezuelan­os desde fevereiro de 2018. Martins e sua rede de voluntário­s, outros 3 mil desde agosto do mesmo ano. “Fizemos sem gastar um real”, garante.

Para acelerar o processo, ao chegar fechou um acordo para usar os assentos vazios das três companhias aéreas que voam a partir de Boa Vista. Como se montasse um quebra-cabeças social, Martins analisa o perfil de cada família e a relocaliza graças à sua rede de voluntário­s que oferece apoio até que os migrantes consigam um emprego. Em 90% dos casos, isto acontece em 60 dias, diz.

O empresário, que fez grande parte de sua fortuna com a venda de sua rede de cursos de inglês, diz ter recebido uma lição de humildade nesta missão, passando de ser o centro das atenções a ser mais um. Ele passa despercebi­do pelas ruas de Boa Vista e é identifica­do pelos venezuelan­os a quem ajuda como “o irmão Carlos”. “É um homem muito generoso, impression­a como é capaz de te fazer sentir que tudo vai ficar bem”, diz Alfredo Muñoz, ex-segurança de Caracas, que chegou ao Brasil com esposa e dois filhos e agora está em São Paulo, graças à rede de Martins.

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O venezuelan­o Muñoz ainda não conseguiu trabalho, mas tem documentos e mora em um apartament­o de um quarto graças à ajuda da igreja. Martins insiste que a interioriz­ação não pode ter uma visão assistenci­alista, um conceito que ele vê arraigado nos venezuelan­os aos quais ajuda, tanto que é uma diferença cultural.

“Temos uma casa de apoio, onde os migrantes ficam alguns dias. O venezuelan­o nunca apaga a luz porque eles não pagavam mais a luz em seu país. Então, não vê o custo. É o mesmo com a água ou o gás, temos que explicar a eles. A Venezuela é um assistenci­alismo total”, diz.

Martins visitou 45 países, mas nunca pôs os pés na Venezuela. “Nem na fronteira”, diz, rindo. Mais sério, diz ser criticado diariament­e por ajudar os venezuelan­os e não os brasileiro­s pobres. Mas ele rebate: “Você não pode perder o foco. O pobre sempre existiu e sempre vai existir, mas o refugiado está vindo sem nada, com a roupa do corpo. É uma situação muito mais vulnerável”.

O pobre sempre existiu e sempre vai existir. Mas o refugiado está vindo sem nada, com a roupa do corpo. É mais vulnerável”

Martins criou em Brasília uma frente religiosa para seguir auxiliando os refugiados que estão no Brasil

A missão de Martins termina em junho de 2020. A um ano dessa meta, o empresário se diz satisfeito. Mas para aumentar a escala da sua rede, acaba de criar em Brasília uma frente religiosa. “Se uma igreja consegue acolher 3 mil pessoas, se eu tiver dez igrejas, esvazio os abrigos”.

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AFP CARLOS WIZARD MARTINS, empresário Carlos Wizard Martins se mudou em agosto de 2018 de São Paulo para Boa Vista, capital de Roraima

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