Moradores de rua poderão ser internados à força no Rio
Prefeitura publica decreto que regulamenta internações compulsórias e voluntárias em abrigos
Decreto que será publicado hoje no Diário Oficial da prefeitura autoriza a internação compulsória de pessoas que vivem nas ruas e sejam usuárias de drogas ou tenham problemas psiquiátricos. Especialistas contestam a decisão.
APrefeitura do Rio publica hoje decreto municipal que regulamenta a internação compulsória de pessoas em situação de rua e orienta ações de reinserção social e recuperação de dependentes de drogas. O texto classifica as internações em voluntárias e involuntárias, que podem ser realizadas a pedido de familiares, responsáveis legais ou servidores públicos da área de saúde ou assistência social. As medidas serão implementadas em cinco dias.
O decreto determina ainda a criação de um banco de dados — o Cadastro Municipal da População em Situação de Rua (CPSUA) — que servirá para adotar medidas mais adequadas de assistência em cada caso, a partir dos perfis sociais encontrados. O serviço ficará a cargo das secretarias de Assistência Social e Direitos Humanos e Saúde.
Os casos de internação compulsória serão identificados e recomendados por médicos da Secretaria de Saúde. A família do internado poderá, a qualquer momento, pedir a interrupção da internação. O decreto, contudo, divide opiniões. “Sou a favor da internação compulsória. Pode salvar vidas. Se tivessem feito antes, não teria a tragédia da Lagoa”, disse a aposentada Fátima Antunes, de 58 anos. Há uma semana, um morador de rua esfaqueou e matou duas pessoas e feriu uma terceira no bairro da Zona Sul.
OPINIÕES DIVIDIDAS
Carlos Augusto Silva, 27 anos, que veio de São Paulo há 13 para tentar uma vida melhor no Rio, aprovou a medida, mas com ressalvas. Ele se envolveu com drogas e hoje viver nas ruas. “Vejo que preciso de ajuda e gostaria de sair dessa vida, rever minha família e me curar”, contou. Ele acredita que uma internação involuntária não faça efeito. “Fui internado contra a minha vontade e não funcionou. Para dar certo, a pessoa tem que querer se curar”, completou.
Há dois anos embaixo de marquises no Centro, Sebastião Pereira, de 51, é contra a internação compulsória e criticou o acolhimento em abrigos. “Não gostaria de ser levado contra minha vontade. Nos abrigos em que já estive, o tratamento não era respeitoso”, lembrou ele.
Sergio Alarcon, psiquiatra e doutor em Saúde Pública, defende que a internação ocorra só em situações de intoxicação grave (overdose), abstinência ou quando duas ou mais doenças se relacionam, como hepatite e pancreatite agudas. “É impossível tratar casos de dependência química em ambiente hospitalar”, ressaltou.
Já Marcelo Jaccoud da Costa, assistente social e autor do livro ‘Flores Amarelas: um olhar sobre quem mora na rua’, afirma que o problema é a falta de serviços. “Não há consultórios de rua, um serviço essencial para identificar e cuidar agravos de saúde, inclusive mental”, disse, lembrando que no Rio não há acolhimento que resgate os laços comunitários.
Em nota, a Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos informou que o decreto dirá de que forma se dará a regulamentação. E que “os detalhes do cadastro serão discutidos durante esta semana juntamente com a Secretaria de Saúde no prazo determinado pelo decreto”. O comunicado também garantiu que o CPSUA será mais vantajoso para otimizar as informações e propostas de soluções.
Não gostaria de ser levado contra minha vontade. Nos abrigos em que já estive, o tratamento não era respeitoso SEBASTIÃO PEREIRA, morador de rua