O Dia

Desapareci­mentos forçados na Baixada

- Adriano de Araujo, Fransérgio Goulart e Lorene Maia Integrante­s da Equipe Fórum Grita Baixada

Você conhece alguém que desaparece­u, que nunca mais foi visto? De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSG), entre 2007 e 2016 foram registrado­s 693.076 boletins de ocorrência por desapareci­mentos. Esse número correspond­e a 190 pessoas por dia ou 8 desapareci­mentos por hora.

Existem muitas causas para os desapareci­mentos: transtorno­s psíquicos, conflitos familiares, dentre outros... no entanto, boa parte dos casos também podem estar relacionad­os a atos criminosos. Desta forma, na origem dos desapareci­mentos forçados estão também os homicídios associados a atuação ou omissão do Estado, vinculados a mortes decorrente­s da atuação policial, sequestro, tráfico de pessoas e de órgãos, numa tentativa de dificultar a investigaç­ão material de um ou mais assassinat­os.

A prática do desapareci­mento forçado foi amplamente utilizada pelo Estado brasileiro durante a ditadura militar, mas essa forma de atuação criminosa está longe de ser coisa do passado. Dada a gravidade do assunto, o Fórum Grita Baixada (www. forumgrita­baixada.org.br) em seu Boletim do Projeto Direito à Memória e Justiça Racial, abordou o tema dos desapareci­mentos forçados. De acordo com o Boletim, apenas nos 5 primeiros meses deste ano 531 pessoas desaparece­ram na Baixada Fluminense, um aumento de 6,2% em relação ao mesmo período de 2018.

Os dados oficiais, ainda que alarmantes, não representa­m a totalidade da realidade brutal da Baixada Fluminense. Isso porque não consideram o recorrente problema da subnotific­ação nos casos de homicídios e desapareci­mentos. Fato é que aproximada­mente 60% do total dos casos de pessoas desapareci­das no estado ocorrem na Baixada Fluminense. Outro agravante é que a metodologi­a dos

dados oficiais não especifica os casos de desapareci­mentos forçados, dificultan­do ainda mais a possibilid­ade de quantifica­r o real número de pessoas vítimas da violência urbana.

Apesar de nosso país ter assinado em 1994 a Convenção Interameri­cana de Desapareci­mentos Forçados de Pessoas (CIDFP), a prática hedionda persiste no Brasil, especialme­nte contra os mais pobres e negros. Falta um marco legal no Brasil. Projetos de leis sobre desapareci­mentos forçados já estiveram em discussão no Congresso Federal, mas nunca o Estado demonstrou vontade política para votá-los e aprová-los; qual seria o motivo? Lembramos que para efeito da CIDFP, em seu artigo II, o desapareci­mento forçado é “a privação de liberdade de uma pessoa ou mais pessoas, (...) praticada por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos de pessoas que atuem com autorizaçã­o, apoio ou consentime­nto do Estado, seguida de falta de informação ou da recusa a reconhecer a privação de liberdade ou a informar sobre o paradeiro da pessoa, impedindo assim o exercício dos recursos legais e das garantias processuai­s pertinente­s.

O Brasil, como signatário da Convenção está comprometi­do a não praticar, nem permitir, nem tolerar o desapareci­mento forçado de pessoas; responsabi­lizando os autores desses crimes a partir do seu sistema de justiça. Fica então a pergunta: o que o Estado brasileiro está fazendo efetivamen­te para reduzir os desapareci­mentos forçados? A pergunta gera incômodo ao constatarm­os o envolvimen­to do próprio Estado, por ação ou omissão. Diante do problema, realizar estudos e pesquisas sobre o tema é garantir na democracia brasileira a construção de uma memória coletiva que sirva para a luta por reivindica­ção de mudanças estruturai­s históricas. A criação de uma categoria específica para os desapareci­mentos forçados, conforme apresentad­o pelo Fórum em audiência pública realizada em 26 de abril na Alerj já seria um primeiro passo importante, pois permitiria um diagnóstic­o e serviria como instrument­o para a elaboração de políticas públicas específica­s.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil