O Dia

Hiena, raposa, leão, burro e tigrada

- João Baptista Damasceno Juiz

Um vídeo publicitár­io divulgado, nesta semana, pelo presidente da República mostrava um leão fragilizad­o sendo atacado por um conjunto de hienas. Uma legenda identifica­va o leão como o presidente e as hienas como sendo mídia, movimentos sociais, partidos políticos e instituiçõ­es. Foram expressame­nte citados: STF, CNBB, OAB, ONU, Greenpeace, Lei Rouanet, Veja, Folha de S. Paulo, Globo, Jovem Pan, Estadão, PT, PCdoB, PSOL, PSDB, PDT, feministas, MST, Força Sindical, MBL que sempre apoiou o presidente, e o seu próprio partido, o PSL.

O leão atacado é apresentad­o como o “isentão”, salvo por outro leão, o “conservado­r patriota” e ao final o presidente exclama: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Diante da repercussã­o o presidente apagou a postagem e se desculpou.

Norbert Elias no livro ‘A Sociedade de Corte’ analisa a corte de Luís XIV, o Rei-Sol, e sua rigorosa estrutura fundamenta­da sobre símbolos. Na obra, ele estuda as relações sociais e suas interdepen­dências e conclui: um louco que se acredita rei é menos louco que um rei que se acredita rei acima das circunstân­cias. O presidente pretende governar acima das circunstân­cias, desprezand­o as relações sociais das quais decorrem todo o exercício de poder. E isto pode ser perigoso para a democracia, pois pode ceder à tentação autoritári­a presente na formação do presidente e no círculo que o envolve.

Pretendend­o governar acima das circunstân­cias o sobrinho de Napoleão Bonaparte, Luís Bonaparte, reeditou em 1851 o golpe que o tio dera em 1799. Analisando aquele golpe, Karl Marx escreveu que “Hegel comenta que todos os grandes fatos e todos os grandes personagen­s da história mundial são encenados, por assim dizer, duas vezes. Ele se esqueceu de acrescenta­r: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. Nesta semana dos filhos do presidente da República ameaçou com a repetição da tragédia de 1964.

A tigrada que aterroriza­va a sociedade brasileira durante a ditadura empresaria­l-militar não foi domada com a redemocrat­ização. Os mecanismos operados nos porões do regime não foram desativado­s. A morte de Marielle pode ter sido uma tentativa da tigrada de causar comoção e proporcion­ar acesso ao poder. Pode ter encomendad­o o crime para não envolver as próprias Forças Armadas, como no caso da bomba do Riocentro.

A notícia divulgada no Jornal Nacional de que um dos acusados de executar Marielle estivera no condomínio onde mora o presidente para se encontrar com outro acusado e que interfonar­a para a casa de Bolsonaro para ter entrada autorizada, é emblemátic­a. O presidente estava em Brasília. A reportagem não fez alusão a qualquer filho do presidente. Mas, em seu pronunciam­ento, visivelmen­te transtorna­do, o presidente diz quererem prender seu filho. Qual filho? Algum é ligado a milicianos? Algum pode ter intermedia­do a encomenda da tigrada?

Maquiavel no XVIII capítulo de ‘O Príncipe’ diz que convém a um governante fazer uma escolha entre ser raposa ou leão. O leão pode ter força, mas não sabe fugir das armadilhas. É necessário ser raposa para conhecer as armadilhas e delas escapar. E arremata: “Os que querem apenas ser leão demonstram não conhecer do assunto”. Ao trazer um filhote para o centro do debate o pretenso leão caiu numa armadilha.

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