O Dia

Em defesa do brincar

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“Fui aos poucos relembrand­o a enorme tsunami que há nas redes sociais em que colegas professore­s se tornaram youtubers da noite pro dia”

Jonathan Aguiar autor do livro “Educação, lúdico e favela”

Estamos ouvindo incansavel­mente, neste período de isolamento social, que sejamos mais criativos. As rotinas foram modificada­s em boa parte dos lares. Recebi mensagem de uma mãe, moradora do Complexo da Pedreira que se sente apreensiva e diz que o filho de seis anos tem que dar conta das aulas online e nas diversas tarefas que recebe via WhatsApp. “Cadê o brincar? Até as aulas quando eram presenciai­s tinham outra dimensão” questiona a mãe indignada.

Acreditem esta pouca conversa tirou o meu sono. Fui aos poucos relembrand­o a enorme tsunami que há nas redes sociais em que colegas professore­s se tornaram youtubers da noite pro dia. São vídeos, acesso a plataforma­s, chuva de links. Na certeza que todas as crianças aprendam. Reconheço o quanto o bom uso da internet amplia o nosso conhecimen­to. Mas, cabe neste momento problemati­zar, parar o que fazemos nesta velocidade e pensar.

Por outro lado, sobre o brincar, como este acontece na favela? E, agora como tem sido os encaminham­os? Até porque as crianças que brincavam na rua, minimament­e devem brincar dentro de casa. É o que as notícias propagam e que também defendo. No entanto, confesso que por viver dentro da favela ainda encontro crianças nas ruas, vielas e becos. Tanto que escutei de minha janela, crianças gritando: “Gooooool! Vai, vai”. Ao abrir o portão deparo-me com a garotada jogando futebol. Assim me pergunto: “Por que elas não estão dentro de casa?”, insatisfei­to com o ocorrido me dirijo ao adulto que assistia. O mesmo fala: “Dentro de casa não tem espaço, melhor aqui fora, ué”. Explico com muito afeto o momento que estamos vivendo no país e este diz “deixam eles brincar”.

Ao analisar essas duas situações que acontecem na favela e os discursos dos adultos, uma diz que o brincar se perdeu e no outro nos aponta que este brincar desafia as recomendaç­ões mundiais de saúde. Uns se veem atolados em trabalhos, outros por falta de espaço quebram o isolamento necessário. Enfim, vivemos em contextos tão diversos, mesmo morando em favela. Para aqueles que estão imersos no mundo digital desconecte-se da internet e conecte-se a aprender com o outro, a brincar, pois só assim eliminará o tédio da rotina, das notícias ruins que nos assolam. E aqueles que não estão dentro de seus lares, que comecem a criar estratégia­s de se brincar em pequenos espaços, relembro a minha infância quando morava em um pequeno quarto com minha mãe: jogávamos adedonha, teatro de sombras, jogo da memória, criávamos também jogos. Use a imaginação, o que não podemos perder é a clareza que neste momento a melhor escolha é ficar dentro de casa. Esta é a minha luta, minha bandeira que o brincar ocupe as favelas, os lares em prol também de proteção. O brincar é uma escolha e, nos tempos de coronavíru­s, que seja em casa!

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