Criminalista critica duramente presidente Jair Bolsonaro
Oadvogado criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, 62 anos, nasceu em Patos de Minas. Ele é mineiro diferente dos conterrâneos. Kakay é expansivo, extrovertido e não foge quando é instado a dar opinião sobre qualquer assunto polêmico. Sua biografia está recheada de prestação de serviços advocatícios a políticos, empresários e celebridades. Kakay pertence ao seleto grupo de advogados que têm no currículo a defesa de dois presidentes da República (José Sarney e Itamar Franco), um vice (Marco Maciel), cinco presidentes de partido (simultaneamente), quarenta governadores, dezenas de parlamentares e mais de 20 ministros (13, no governo de FHC; três, no de Lula; dois, no de Dilma). Também já defendeu grandes empreiteiras (Andrade Gutierrez, Odebrecht, OAS), bancos, banqueiros (Daniel Dantas, Salvatore Cacciola, Joseph Safra) e empresários de primeira grandeza. Kakay acumula, também, os prós e contras de ter sido um dos primeiros a criticar os métodos da chamada República de Curitiba, que ganhou projeção nos últimos anos como berço do combate à corrupção. Kakay já perdeu as contas de quantas vezes demonstrou que o então juiz Sérgio Moro e os procuradores liderados por Deltan Dallagnol ultrapassaram limites na condução da Operação Lava Jato. Nesta entrevista, o advogado dá sua opinião sobre os temas mais palpitantes do Brasil atual.
Desde os movimentos de rua de 2013 se diz: “As instituições democráticas brasileiras estão funcionando”. Elas estão?
Estamos vivendo um momento em que o Poder Executivo cria, diariamente, quase uma instabilidade institucional, com o esgarçamento, até de forma deliberada, das instituições. Mas, felizmente, as instituições estão funcionando bem. O Poder Judiciário tem demonstrado que está à altura para reagir não só à pandemia, mas principalmente à crise instaurada pela condução desastrosa por parte do presidente. Da mesma forma, o Congresso conseguiu não ficar paralisado. Assim como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, agiu e está agindo com muita maturidade, inclusive frente aos inúmeros pedidos de impeachment. Encontramo-nos diante de um problema real, que consiste na absoluta falta de postura por parte do presidente da República, que adota medidas praticamente genocidas e de completo desprezo à vida humana. Felizmente, ainda sobrou a maturidade dos governadores que representam o Poder Executivo, graças à decisão que deu permissão de se posicionarem para cuidar do isolamento, o que nos deu a certeza de que as instituições estão funcionando.
O Supremo vive sob fogo intenso. Os seguidores do presidente Bolsonaro - e até um ministro de Estado - repetem à exaustão que o STF deveria ser fechado. Qual o risco disto acontecer?
O presidente age de forma completamente irresponsável. Nos últimos meses, ele tem incentivado grupos fascistas a provocar um quase rompimento institucional. O ministro Dias Tofolli determinou, em boa hora, a abertura do inquérito para que esses grupos que fazem ameaças e, especialmente, os que financiam esses movimentos sejam investigados. Acredito que essa ação rápida fez com que nós voltássemos a ter certeza de que esse esgarçamento institucional está apenas restrito a um grupo, quase insignificante, mas perigoso, porque tem o apoio claro do presidente. Ele apostou no conflito e acreditou que tinha força popular para governar sem as instituições. Desse modo, ele desprezou o Congresso, afrontou o STF e superestimou o seu Poder Executivo, que é fraquíssimo. Se o presidente tivesse força, na minha visão, ele teria tentado dar o golpe. Mas ele encontrou eco apenas em um grupo que, embora em um percentual razoável, se mostrou muito insignificante, de baixíssima densidade intelectual. O desgaste do governo Bolsonaro - afinal, o Brasil virou um pária internacional - começou a incomodar até mesmo os bolsonaristas mais ferrenhos. Nos dias de hoje, figuras de retórica ridícula despertam o desprezo da sociedade. Um exemplo disso é a prisão do Fabrício Queiroz. A proximidade que a milícia chega do governo Bolsonaro fez com que boa parte daqueles que o apoiavam, começassem a repensar. O Exército e as Forças Armadas jamais darão apoio a um governo apoiado pela milícia. Uma coisa é você ter grupos de direita que se organizam e tentam ocupar espaço na sociedade, gerando uma representatividade; afinal, é assim que se faz a democracia. Outra coisa é você ter a milícia dominando parte da cena e da narrativa da política nacional.
Alguns militares já expressaram abertamente suas insatisfações de que o Executivo está se sentindo invadido pelos outros dois poderes, o Legislativo e o Judiciário. Há razões para esta reclamação?
Pode ser que tenha um grupo pequeno de militares que queira ação ainda mais forte do Executivo e que reclame das decisões do Legislativo e do Judiciário, mas se existe um grupo desse, é um grupo que tem uma visão distorcida do que é um Estado Democrático clássico, é necessário ter independência dos poderes e ter harmonia entre eles.
É frequente a ameaça da volta da ditadura, do AI-5 e de um endurecimento do regime com o apoio das Forças Armadas e a permanência no poder. O senhor acredita na vitória deste tipo de pretensão de quem defende estas ideias?
No Brasil de hoje não existe nenhuma hipótese de ter um fortalecimento desse movimento fascista. Mas que fique claro que, para tanto, é necessário que a sociedade continue absolutamente atenta e fazendo as reações necessárias.
É saudável que militares da ativa ocupem postos no governo? Isto põe em risco a isenção das Forças Armadas?
O critério para a ocupação de cargos deve ser a competência, a lisura, o profissionalismo e o compromisso público das pessoas que estão aptas a ocupar os cargos importantes da República. Não considero que seja salutar para o Exército que nós tenhamos um grande número de militares na ativa ou ocupando cargos; não coloco nenhuma dúvida na competência de militares, mas acredito que nós temos que depositar nas Forças Armadas o papel que a Constituição lhes dá.
Como coibir desvios de recursos e corrupção tanto na máquina pública federal como estadual? Os governadores foram negligentes com o dinheiro do contribuinte após a liberdade de contratação sem licitação durante a pandemia?
A corrupção corrói o tecido social e desestabiliza a sociedade. No entanto, não podemos pregar o combate à corrupção a qualquer custo, passando por cima dos direitos e garantias individuais. Eu costumo dizer, quando fiz o enfrentamento dos excessos da força-tarefa da Lava Jato, que os abusos do ex-juiz Sérgio Moro e da força-tarefa de Curitiba gestaram esse governo autoritário com pleno desrespeito às garantias constitucionais. Todos nós queremos o combate à corrupção. Não permito que juiz, delegado ou procurador da República algum diga que quer o combate da corrupção mais do que eu, mais do que qualquer leitor que está lendo agora essa entrevista. A diferença é que eu quero esse combate dentro da plena garantia dos direitos constitucionais. Se nós fizermos um combate ferrenho à corrupção, mas garantindo os direitos constitucionais, nós sairemos desse enfrentamento um país melhor, mais solidário e mais justo. É necessário que se faça esse enfrentamento, especialmente em um momento de pandemia. É absolutamente inadmissível que se possa imaginar qualquer autoridade, que tenha responsabilidade pública, aproveitar esse momento de crise sanitária para praticar qualquer ato de corrupção.
O presidente da República age de forma completamente irresponsável em seu cargo”
Não considero que seja salutar para o Exército ter um grande número de militares ocupando cargos”
O Exército e as Forças Armadas jamais darão apoio a um governo sustentado pela milícia”