“Quando a dor chega, a palavra é urgente”
Espanto, tristeza, solidão, medo. Esses elementos costumam ser um prato cheio para as pessoas escreverem diários. Nesta época estranha e inédita para a nossa geração, não poderia ser diferente. A carioca Miriane Peregrino, que há um ano mora na Alemanha, viu, em março, sua rotina ser chacoalhada - junto com todo o planeta - e reagiu da forma que lhe é mais natural: transformando toda essa experiência em escritos. Dela e de outros brasileiros. Assim surgiu ‘Diários de Emergência - Covid 19’, três publicações que somam mais de 60 relatos - ‘Brasileiros no Exterior’, ‘Brasil, Norte a Sul’ e ‘Rio de Janeiro’.
São edições especiais do jornal ‘Literatura Comunica’, projeto desenvolvido por Miriane, que é doutora em Literatura. Os diários estão disponíveis pelas redes sociais do seu projeto (@literaturacomunica no Facebook e Instragram; @literaturacomun no Tweeter). A convocação começou entre seus amigos e de quem conhecia seus trabalhos na área. Depois, ela partiu para uma chamada pública pelas redes, o que engrossou o caldo de experiências, que ganharam os mais diferentes temperos.
“Quando as fronteiras foram fechadas, em março, comecei a ter crises de ansiedade, pânico, até por ser imigrante. Na minha cidade atual, Mannheim, vi as prateleiras de mercado ficarem vazias. Acompanhava a situação dos meus amigos, em outros lugares. Em abril, me veio à memória três livros nesse formato: ‘Diário do Hospício’, de Lima Barreto; ‘Quarto de Despejo’, de Maria Carolina de Jesus; e ‘O Diário de Anne Frank’, além de outros escritos de confinamento. E tive a ideia dos diários”, conta Miriane.
Participaram também do projeto o diagramador Felipe Mendonça e Anísio Borba, responsável pela identidade visual do material. Antes dos lançamentos, a equipe publicava flyers, com pequenos trechos de relatos.
“Quando a dor chega, a palavra é urgente. É o que muitas vezes nos faz escrever, desa
QUARTO
DE DESPEJO
Com o subtítulo ‘Diários de uma Favelada’, a obra de Carolina Maria de Jesus foi escrito entre 1955 e 1960. A autora, uma catadora de lixo que vivia em uma favela de São Paulo, expôs todo o sofrimento de quem só conhece da vida suas durezas e privações.
O DIÁRIO DE ANNE FRANK
A menina escreveu seu diário durante a Segunda Guerra Mundial, e narra a vida dos judeus confinados em um esconderijo durante a ocupação nazista na Holanda. Aos horrores da guerra, há relatos sobre suas descobertas na puberdade. bafar de alguma forma. Foi o que aconteceu, por exemplo, com uma amiga que mora na África do Sul e que não conseguia um voo de repatriamento”, complementa a editora do Literatura Comunica.
HÁBITO ANTIGO
“Eu conhecia Miriane desde quando ela realizava o projeto Rodas de Leitura. Fui em uma das leituras em homenagem à Carolina Maria de Jesus, no Museu da Maré. Acabamos ficando amigas. Por saber um pouco da minha trajetória e ações pessoais e profissionais, ela me convidou para me integrar à narrativa dos diários. Eu escrevo diários desde a minha adolescência. Era legal narrar os dias para algo tão inseguro, e sem sofrer qualquer tipo de crítica. Então, topei”, conta a atriz Cynthia Rachel Esperança.
Nos quatro primeiros meses da pandemia, Cynthia se isolou em sua casa, em Cascadura, nova rotina que foi se tornando cada dia mais difícil. Ela conta que a escrita, em muitos momentos, foi de muita catarse; em outros, de muita dor. E que, de alguma forma, a ajudou muito.
“Nesse momento, fiquei pensando em várias coisas, como dando graças a Deus por morar sozinha, por não ter que conviver com quem precisasse ir à rua. Por outro lado, sentindo muita saudade de estar aglomerada com minha família e amigos, com a minha turma dos afetos. Então, eu escrevia muito sobre isso. Sobre ausência, saudade, perdas, falta de perspectivas, amor, política. Quando eu via, as 24h isoladas estavam preenchidas de escritas. Eu não saía, mas eu tinha tanto para contar...” relata Cynthia.
AçãO GLOBAL
Miriane Peregrino explica assim os Diários de Emergência, relatos feitos durante a pandemia
Os diários dão a volta ao mundo, com textos vindos de Angola, Estados Unidos, Tailândia, Austrália, Portugal, Alemanha e Peru. No número dedicado ao país, há registros das cinco regiões brasileiras. Já a publicação ‘Rio de Janeiro’ prioriza as narrativas de moradores de favelas cariocas como Maré, Cerro Corá e Vila Autódromo, mas também conta com textos de moradores dos municípios de Itaboraí, Maricá e Niterói.
No alto, três livros em forma de diário que inspiraram as publicações lançadas pela ‘Literatura Comunica’
As três edições podem ser baixadas gratuitamente, através das redes sociais do projeto