O Dia

O ELEITOR JULGARá CRIVELLA

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Ocidadão deveria se sentir feliz ao saber que, nos hospitais e nos postos de Saúde de sua cidade, há servidores públicos dispostos a desempenha­r da melhor forma possível a função para o qual foram contratado­s. No Rio de Janeiro, porém, um caso de dedicação e eficiência se transformo­u em motivo de vergonha. Conforme veio a público, na segunda-feira passada, um grupo de funcionári­os, em troca de salários de pelo menos R$ 3 mil por mês, vinha se desdobrand­o para cumprir uma missão espúria: impedir o trabalho da imprensa nas unidades de Saúde.

Por usar dinheiro público para bancar esses “Guardiões”, o prefeito Marcelo Crivella correu o risco de ser julgado pela Câmara Municipal. Na tarde de quintafeir­a passada, pelo placar apertado de 25 votos a 23, os vereadores cariocas rejeitaram o pedido de instalação de uma Comissão Processant­e que deveria investigar os atos de Crivella. O que os vereadores fizeram, na prática, foi lavar as mãos e transferir para a população a tarefa de julgar o prefeito.

Este é o ponto que interessa. Ainda que a maioria dos vereadores tenha se omitido e decidido não avaliar Crivella pela formação desse bando, a população dará seu veredito em novembro. É lógico que o episódio dos Guardiões não será esquecido e pesará na decisão do eleitor. O veredito, no final das contas, dirá se o carioca aceita ou não ser governado por alguém que usa dinheiro do povo para bancar uma milícia encarregad­a de fazer o trabalho sujo.

DESVIO INSTITUCIO­NAL

A contrataçã­o de um bando de jagunços com crachás de servidores é um erro maior do que parece. A questão não se resume, no final das contas, à sujeira do trabalho feito pela corja. Ela diz respeito à visão que Crivella demonstra ter das atribuiçõe­s de um prefeito. A simples existência dos “Guardiões” já demonstra que há algo errado na administra­ção municipal. Gastar dinheiro público para montar uma milícia privada, destinada a cumprir ordens absurdas como a de impedir o trabalho da imprensa, é um desvio institucio­nal grave, que deveria ser cortado pela raiz assim que alguém viesse com essa ideia.

Além disso, é fundamenta­l observar que os alvos dos Guardiões não eram aleatórios. A malta mirava, principalm­ente, os jornalista­s da TV Globo, por quem o prefeito se diz perseguido desde o início do mandato. Os cidadãos que se queixavam da qualidade dos serviços de Saúde diante das câmeras também eram ameaçados. O prefeito pode até ter alguma razão ao se queixar do tom excessivam­ente ácido com que sempre foi tratado pela emissora. Justiça seja feita, porém, ele jamais deu à TV Globo ou a quem quer que seja motivos para que se falasse bem de seu governo.

A EMENDA E O SONETO

As palavras do prefeito a respeito das críticas soaram mais como admissão de culpa do que como explicação razoável para a existência dos “Guardiões”. Segundo Crivella, o grupo é formado por “cidadãos” (isso mesmo, o prefeito os chamou de cidadãos) “que comparecem às portas das unidades de Saúde para esclarecer e orientar os usuários, evitando assim que alguém manipulado pelas falsas informaçõe­s da Globo corra algum risco de morte”. É um caso de emenda pior do que o soneto.

A necessidad­e de recorrer a “cidadãos” sem relação direta com o serviço prestado para “esclarecer” o usuário sobre o que está acontecend­o dentro da unidade de Saúde é uma prova de que a qualidade do serviço prestado ali dentro vai de mal a pior. Ninguém procura o sistema de Saúde em busca de esclarecim­entos. O que as pessoas querem, quando vão até lá, são médicos que conheçam sua história e resolvam seu caso.

O cidadão nas urnas não julgará Crivella apenas por esse caso de uso indevido e irresponsá­vel do dinheiro público. Ele será julgado pelo conjunto da obra, que inclui promessas não cumpridas e uma série de outras atitudes difíceis de se explicar. Entre elas, a tentativa de se valer do cargo para beneficiar apenas seus eleitores mais cativos e a maneira com que desdenha das tradições e da alegria que são a alma da cidade que o elegeu. O desprezo que ele demonstra ter pelo Carnaval sugere, para dizer o mínimo, falta de conhecimen­to sobre a importânci­a econômica desse evento.

Crivella alega que pegou o Rio com as finanças em frangalhos. Ele pode até ter alguma razão nessa queixa mas, convenhamo­s, a maioria dos prefeitos eleitos em 2016 encontrou o caixa zerado e problemas difíceis para resolver. Além disso, todos os políticos que ocuparam a Prefeitura do Rio nos últimos anos encontrara­m dificuldad­es para administra­r.

Cada um à sua maneira, todos deixaram, no final do mandato, uma marca que sobreviveu à sua gestão. O certo, porém, é que, por mais boa vontade que se tenha com Crivella, é difícil encontrar uma única obra relevante que possa ser atribuída a ele. Se ele terá ou não outra chance de deixar sua marca positiva na história da cidade é uma resposta que caberá ao eleitor. Nas urnas.

Siga os comentário­s de Nuno Vasconcell­os no twitter e no instagram: @nuno_vccls

“A questão diz respeito à visão que Crivella demonstra ter de suas atribuiçõe­s”

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ARTE KIKO
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