A FALTA DE ATIVISMO INTERNACIONAL
OBrasil sempre se caracterizou por importante protagonismo internacional e estamos perdendo esse espaço ocupado por décadas com tanto esforço e empenho.
Como dizia Sartre: o pior mal é aquele ao qual nos acostumamos. Mas temos condições de reverter a situação atual de isolamento internacional.
O Itamaraty poderia desidratar-se de ideologia, religião e alinhamentos automáticos para melhor servir o Brasil e nos reintegrar no concerto das Nações.
O Brasil, por exemplo, ficou fora de uma declaração assinada por 65 países membros da Organização das Nações Unidas (ONU), sobre direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. O documento pede que os países tomem medidas para assegurar a igualdade de direitos para mulheres e meninas.
Assinaram o texto países progressistas como Islândia, Suécia, Noruega, França, Estados Unidos, Alemanha, Portugal, Espanha e Holanda.
Mas também, Argentina, México, Uruguai, Peru, Colômbia, Costa Rica, Panamá, Tunísia, Serra Leoa e Botsuana.
Mas, por razões ideológicas, ficamos de fora de mais uma ação internacional de relevo para o Brasil e para o mundo.
Outro tema que nos isola no panorama global é a crescente erosão da liberdade de expressão pelos constantes ataques do governo federal.
É impossível olhar para o que se passa no Brasil sem um sentimento de indignação, porque a arte não pode ser aliada da opressão.
Optar pelo silêncio quando há ameaça à liberdade de expressão não é boa polítiA ca nem contribui para uma boa imagem internacional brasileira.
A jornalista Patrícia Campos Mello, vencedora do prêmio internacional de Liberdade de Imprensa em 2019, foi alvo de agressões e ameaças do governo federal brasileiro por suas reportagens sobre a disseminação de notícias falsas nas redes sociais por assessores e empresários que apoiam a atual administração instalada no Planalto.
O Brasil está igualmente alienado com relação às discussões sobre mudanças climáticas, apesar de termos todas as condições de atuar dinamicamente nessa luta pela saúde do planeta. descarbonização das economias foi tema central na última reunião do G20, em Veneza, já de olho na recuperação pós-pandemia.
A luta contra a crise climática vai exigir uma grande união internacional e não podemos nos furtar a colaborar nessa batalha com posições retrógradas e contínua devastação da Amazônia e do Pantanal.
Uma política internacional baseada no mais do mesmo, imposta pelo governo federal ao Itamaraty, só inibe o ativismo internacional da chancelaria brasileira.
O G20 financeiro discute também o apoio de 130 países para criar um imposto global de pelo menos quinze por cento sobre os lucros de multinacionais. Deveríamos apoiar os principais componentes do sistema sobre a realocação dos lucros das multinacionais e uma efetiva taxa mínima global, como está previsto no acordo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
A pandemia está criando desafios para os sistemas democráticos e para a sustentabilidade da governança global e devemos estar atentos para este grave problema sob risco de ficarmos, mais uma vez, à margem de grandes discussões internacionais.
A confiança nos governos democráticos pode ser solapada por questões como a má gestão, a transparência reduzida e possíveis escândalos de corrupção.
Também no caso do Mercosul, o Brasil demonstra ruptura em meio às diferenças por mais abertura comercial, no momento em que poderíamos lutar por uma melhor integração regional com base na comunidade de interesses e na solidariedade continental.
A percepção de que houve um retrocesso no Mercosul deve ser evitada pela diplomacia brasileira e uma agenda positiva pode ser ainda construída pela boa vontade.
A abertura de inúmeras e simultâneas áreas de conflito internacional pelo Planalto só pode acentuar a perda de ativismo internacional pelo Itamaraty.
As recentes ameaças ao Congresso e ao Judiciário pelo atual ocupante do executivo federal são lamentáveis e só fazem acentuar o isolamento do nosso país pelos ataques constantes ao processo democrático.
O mundo já deixou para trás faz tempo o período das quarteladas e nenhum país pode ser respeitado pela comunidade internacional se houver retrocesso com intenção de barrar eleições legítimas.
O crescente aumento da desigualdade social no Brasil e a atração por soluções autoritárias sem respeito ao Estado de direito nos colocariam como marginais no cenário global e vítimas de aliados do trumpismo e outros mitômanos no cenário político internacional.
A desmontagem do Estado de Bem Estar Social a que me referi no último artigo acentua o empobrecimento de grande parte da população brasileira e dificulta cada vez mais a nossa inserção internacional.
No Brasil continuamos ancorados à contracorrente da História com este executivo federal que se mostra insensível às mudanças transformadoras nos Estados Unidos, Europa e Ásia.