O Dia

VIOLÊNCIA POLICIAL RETRATADA EM SÉRIE

Humberto Carrão e Caco Barcellos falam sobre produção do Globoplay, que retrata os bastidores de investigaç­ão jornalísti­ca nas periferias de SP

- TÁBATA UCHOA tabata.uchoa@odia.com.br

Asérie ‘Rota 66 - A Polícia que Mata’ estreou na última quinta-feira no Globoplay e traz o ator Humberto Carrão na pele do jornalista Caco Barcellos no início dos anos 80, quando o repórter tinha acabado de chegar a São Paulo e iniciou um meticuloso trabalho de investigaç­ão jornalísti­ca com foco na atuação violenta de uma rede de policiais nas periferias da cidade.

Baseada no livro que derivou desse projeto, vencedor do Prêmio Jabuti em 1993, a série mostra os bastidores da jornada do repórter Caco Barcellos (Humberto Carrão) na investigaç­ão dos policiais da Rota - as Rondas

Ostensivas Tobias Aguiar -, do 1º Batalhão de Choque da Polícia Militar de São Paulo. Além disso, a obra mergulha na biografia de Caco, mostrando sua trajetória profission­al.

Humberto Carrão conta como se preparou para dar vida ao jovem Caco Barcellos dos anos 1980. “Foram dois dias na companhia do Caco, notando os gestos, os gostos, as ações, as manias e, claro, toda a forma como ele faz o trabalho jornalísti­co. Fiquei muito atento à forma como ele entrevista­va, a relação dele com a câmera e com o entrevista­do. Foram dias muito poderosos”, revela o ator, que acompanhou o jornalista em gravações do ‘Profissão Repórter’, da TV Globo.

“Foi uma grande responsabi­lidade para mim, como ator, e para todo o elenco, roteirista­s e diretores dar conta de adaptar um livro como o ‘Rota 66’ para o audiovisua­l. A série, ao mesmo tempo, é uma aventura muito bonita, não só pelo Caco ser um grande jornalista, mas também por retratar o ‘jornalismo de acompanham­ento’, que ele tanto faz em suas reportagen­s. Diria que é quase uma forma de homenagear a forma dele de pensar e fazer o jornalismo”, explica Carrão.

Caco Barcellos participou de todo o processo de adaptação da escrita para o audiovisua­l, desde a construção dos roteiros até a edição final. “Tentei colaborar o máximo possível, prestei depoimento­s, tive longas conversas com as equipes de criação, produção e direção. Nossos encontros acontecera­m em diferentes fases do processo de criação”, relembra o jornalista, que está feliz em ver seu trabalho ganhando ainda mais projeção.

“Espero que exibição no formato de série desperte grande interesse do público. Minha investigaç­ão abrange os primeiros 22 anos de ação violenta da Rota, que foi criada em abril de 1970. Três décadas se passaram, mas quem assistir a série vai perceber que a brutalidad­e do passado veio se repetindo até hoje e se multiplica­ndo em todas grandes cidades do país”.

Caco Barcellos relembra que uma de suas maiores dificuldad­es ao escrever o livro que deu origem a série foi ter contato próximo com as histórias das pessoas que sofreram com a violência. O jornalista também ressalta o alto número de mortes de inocentes nas operações policiais. “A maior dificuldad­e, sem dúvida, foi conviver com as histórias das pessoas que são vítimas dessa violência. No começo, a grande motivação era fazer uma denúncia. Eu queria dizer que o Brasil não é signatário de nenhum projeto que envolva pena de morte. A Constituiç­ão é clara e não permite que ninguém tire a vida dos outros, sejam autoridade­s ou não. Evidenteme­nte há uma lacuna para a legítima defesa”, inicia.

Ao analisar essas mortes por legítima defesa, Caco encontrou o centro do problema. “Bastava trabalhar meia dúzia de horas na apuração dos casos para descobrir uma quantidade imensa de contradiçõ­es. Com o passar dos anos, fui ficando muito assustado e criei um banco de dados... Embora considere grave matar criminoso, evidenteme­nte é mais grave ainda matar pessoas inocentes que nem sequer tiveram um ato ilícito ou um confronto com a polícia. Isso me assustou muito”, afirma.

Para Caco Barcellos, que começou a escrever o livro ‘Rota 66 - A História da Polícia que Mata’ após a execução de três jovens paulistano­s pela corporação de elite, nos anos 1980, o Brasil também vive uma espécie de guerra. “Entendi que também sou um ‘correspond­ente de guerra’ porque a nossa guerra é permanente. A gente usa essas três palavras para identifica­r o profission­al enviado para um conflito armado convencion­al: uma força do exército de um lado e uma população civil de outra se for uma revolução civil ou dois exércitos convencion­ais trocando violência. No Brasil, não é assim. É o estado brasileiro vestido com o fardamento das polícias militares atacando a sociedade civil como se fosse inimiga”, finaliza.

A série ‘Rota 66 - A Polícia que Mata’ conta com oito episódios, liberados em duplas todas as quintas-feiras, e está disponível no Globoplay.

 ?? FOTOS DIVU ?? No alto, Humberto Carrão e o jornalista Caco Barcellos, cuja história é contada na série ‘Rota 66 A Polícia que Mata’
FOTOS DIVU No alto, Humberto Carrão e o jornalista Caco Barcellos, cuja história é contada na série ‘Rota 66 A Polícia que Mata’

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil