DIVAS PARA SEMPRE
Idealizado por Safira Bengell, musical ‘Les Girls Forever’ faz homenagem às pioneiras artistas travestis brasileiras e encerra temporada no Rio
Após passar por capitais como Belo Horizonte e Recife, o espetáculo ‘Les Girls Forever’ encerrará sua temporada no Teatro Rival Refit, na noite de hoje, no Rio. O musical cômico idealizado pela atriz e produtora Safira Bengell tem por objetivo eternizar o trabalho artístico de inúmeras travestis brasileiras, que desde os anos 60 se apresentam pelas diferentes regiões do país, e são pioneiras na arte do transformismo — porta de entrada para o movimento Drag como é conhecido hoje.
“O espetáculo traz a memória das pioneiras artistas travestis e transformistas brasileiras que surgiram na época da ditadura militar. Tudo a ver com a história do Teatro Rival Refit, que sempre celebrou a diversidade da nossa cultura”, diz a atriz Ângela Leal, diretora do teatro.
“Somos berço da diversidade cultural brasileira, marca tradicional do Rio de Janeiro por empunhar a bandeira do amor e lutar pela resistência da arte acima de qualquer ameaça. O nosso compromisso com a cultura mantém-se mais firme do que nunca. A cultura é a alma do povo, e o Rival Refit faz parte da alma carioca”, afirma a artista.
O show musical, que busca ressaltar o caráter revolucionário das expressões culturais oriundas das travestis pioneiras, tem ingressos a partir de R$ 35 e começará às 19h30. A apresentação, repleta de glamour, promete promover a imersão nas luxuosas casas noturnas dos anos 1970, além de divertir o público com os vários números apresentados pelo elenco.
“Nós (travestis) brasileiras somos precursoras, não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Nós fomos, durante um período, como um ‘objeto de exportação’. Quando tudo começou, ditamos um gênero chamado ‘mulher de cera’. No início, imitávamos as mulheres (cisgênero) e, de repente,
as mulheres queriam ser como a gente, ter silicone, usar roupas mais chamativas, etc”, explica Safira.
No início de sua carreira, em 1970, Safira Bengell precisou driblar a discriminação familiar e a repressão militar. Em busca de viver plenamente, com a liberdade de ser quem verdadeiramente é, a artista nordestina escolheu o estado do Rio de Janeiro como lar.
A atriz, que iniciou os trabalhos artísticos no Rival Refit, conta que apesar do clima turbulento instaurado pela ditadura militar, as travestis eram personalidades queridas nas noites cariocas. “Nós éramos amadas pelos homens, porque as mulheres (cisgênero) eram castas e as mulheres disponíveis eram as travestis. Éramos presas? Sim. Mas pela manhã, quando saíamos da delegacia, íamos dormir para depois, de noite,
Sobre a rotina diária de espetáculos, Safira afirma que o profissionalismo sempre foi exigido de todas as artistas envolvidas. No período, elas eram contratadas com carteira assinada, como artistas fixas das casas noturnas e dos teatros. “Nós tínhamos um compromisso com os locais onde trabalhávamos. Tínhamos carteira assinada, realizávamos ensaio para os espetáculos, usávamos figurinos específicos de cada casa noturna”, conta. “Existia toda uma direção, toda uma disciplina, que com o passar do tempo se perdeu e tornou-se um ‘brincar de fazer show’ para muitas”, acrescenta, referindo-se a algumas artistas da atualidade.
Na década de 1970, o Teatro Rival funcionava como uma espécie de berço para as travestis que se apresentavam artisticamente. Comandado por Américo Leal, pai da atriz Ângela Leal — uma das homenageadas pelo espetáculo ‘Les Girls Forever’ —, a casa abria as portas para que este grupo marginalizado pudesse expor sua arte, através de shows repletos de luxo e glamour. emoção poder encerrar esta temporada no Rival. É uma alegria grande saber que valeu a pena ser uma artista responsável, porque é muito difícil ser artista no Brasil. É muito legal eu estar voltando para o local onde iniciei, sendo recebida com respeito. Não tem dinheiro que pague”, analisa Safira Bengell.
“Nós (travestis) brasileiras somos precursoras, não só no Brasil, mas no mundo inteiro”
Espetáculo traz a memória das pioneiras artistas travestis e transformistas brasileiras que surgiram na época da ditadura militar
‘LES GIRLS FOREVER’
O espetáculo ‘Les Girls Forever’ conta com um elenco composto pelas cantoras Brenda Bacall, Ângela Leclery, o tenor Wladimir Cabanas, o cantor Neris Cavalcante, e as atrizes Suzy Parker e Yeda Brow. Além de homenagens a diversos artistas, o show terá a participação especial de outras personalidades do Rio, a fim de promover o enriquecimento cultural do elenco.
Otávio Almeida, um dos cantores independentes convidados a integrar o musical, fala sobre a emoção de participar de uma obra voltada para a valorização da memória artística brasileira.
“É uma honra muito grande para mim ter recebido o convite para participar deste maravilhoso espetáculo, e principalmente, porque este convite veio da Safira Bengell. A Safira vem de uma safra de artistas talentosos, que fizeram e fazem história, e estou muito feliz por ter sido um dos artistas escolhidos por ela. É mais que preciso, de uma vez por todas, que saibamos valorizar e respeitar nossas raízes, nossos ídolos e grandes mestres”, declara o artista.