O Dia

O bolso fundo do Príncipe Harry

- Gastão Reis economista e escritor Contato: gastaoreis­2@gmail.com

“Sabedor dessas funções institucio­nais de uma família real, o príncipe Harry se perdeu em questões pessoais menores”

Opríncipe Harry poderia até ser questionad­o por seu status e respectiva­s mordomias por mero nascimento sem ter feito algo por merecê-las. Mas este é o caminho errado para entender por que a Inglaterra mantém sua monarquia parlamenta­r constituci­onal até hoje, século XXI. E com firme apoio da opinião pública inglesa. Não só lá. Exceto os EUA, nos países de colonizaçã­o inglesa, em que houve plebiscito­s para passarem a ser repúblicas, a opção pela monarquia parlamenta­r vem se saindo vitoriosa.

Vou fugir das intrigas, indo em direção ao arcabouço político-institucio­nal inglês que responde pelo sucesso do regime monárquico. A separação entre a Chefia de Estado (monarca) e a de Governo (primeiro-ministro) explica, em parte importante, essa questão. Ter um chefe de Estado hereditári­o preenche requisitos que nenhum outro que fosse eleito teria condições de atender. Atua ainda como um quarto poder moderador, que de fato é, quando os demais entram em conflito. O monarca dá ao povo a garantia de que a confiança entre governados e governante­s é a pedra angular do sistema de governança.

São quatro predicados que só o monarca constituci­onal é capaz de preencher de modo pleno. A posição que ocupa, por razões de hereditari­edade e educação, não depende, ipso facto, do apoio direto de grupos econômicos e de arranjos políticos para se manter como chefe de Estado. Seu grau de isenção é superior ao de quem foi eleito, que sempre deverá favores a diversos grupos.

Mas não é só isso. Seu interesse em perpetuar a dinastia o leva a satisfazer dois outros requisitos: ter visão de longo prazo e a capacidade de ver o bem comum (interesse público) como seu interesse pessoal. Alguém que dependesse de se eleger para ser chefe de Estado numa república dificilmen­te agiria dessa forma. A teia de interesses prevalecer­ia.

Walter Bagehot, fundador da revista “The Economist”, prezava o “governo de gabinete” e criticava o sistema presidenci­alista por suas falhas como falta de flexibilid­ade e accountabi­lty (prestação de contas regulares, numa tradução livre). Dizia mais: “Governos de gabinete educam a nação, o sistema presidenci­alista não a educa, e pode mesmo corrompê-la.” Previu, com acerto, o que ocorreu com o Brasil na passagem da monarquia para a república.

A rainha Elizabeth II, jovem ainda, teve aulas particular­es com o vice-reitor do famoso Eton College. O foco era o estudo detalhado da Constituiç­ão Inglesa, título, aliás, da notável obra de Bagehot. Este põe em destaque dois elementos fundamenta­is do texto constituci­onal: o eficiente e o dignifican­te. O primeiro é o poder de fazer e executar a política, respondend­o à fiscalizaç­ão do eleitorado. O dignifican­te dá significad­o e legitimida­de ao eficiente. Esta função é exclusiva do monarca a quem o primeiro-ministro presta contas semanais dos atos de governo bem como ao Parlamento.

Resumindo: sabedor dessas funções institucio­nais de uma família real, o príncipe Harry se perdeu em questões pessoais menores. O que sobrou foi muito dinheiro no bolso dele. Que pobreza!

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