O Dia

Coletivos incentivam a publicação de livros escritos por mulheres

Enquanto a maioria dos leitores do Brasil é composta por mulheres, 70% dos livros publicados são escritos por homens

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Existe um exercício proposto em salas de aula e rodas de debate que é simples e eficaz: retire da sua estante de livros as obras publicadas por homens e veja a diferença na quantidade que restou — o quanto é escasso o número de livros escritos por mulheres. Alguns levantamen­tos de instituiçõ­es renomadas confirmam a discrepânc­ia. Enquanto a maioria dos leitores do Brasil é composta por mulheres, segundo o “Retratos da Leitura no Brasil”, feito pelo Instituto Pró-Livro em 2019 (elas representa­m 54% dos leitores); 70% dos livros publicados no país são escritos por homens, como mostra pesquisa do Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporâ­nea da Universida­de de Brasília (UnB), comandado pela professora Regina Dalcastagn­è, com dados analisados nos períodos de 1965 a 1979; de 1990 a 2004; e de 2005 a 2014.

Para um país com índices de leitura por homens mais baixos que os de mulheres, é contraditó­rio que uma gama majoritari­amente masculina esteja assinando as histórias, conceitos e visões de mundo.

Para driblar as barreiras encontrada­s no mercado editorial e permitir mais opções de acesso à leitura de autoras, mulheres passaram a se organizar em coletivos literários, com saraus, publicaçõe­s alternativ­as, debates em torno de temas e luta, e difusão da leitura de autoras. O objetivo é criar alternativ­as para que essas mulheres possam ser lidas, além de trazer narrativas femininas para o centro do diálogo literário.

Carolina Pessôa, jornalista de 36 anos e moradora de Vila Isabel, na Zona Norte, participa do Sabático Literário, um coletivo criado em 2021, com cerca de 20 mulheres, que publica textos de suas participan­tes em um blog independen­te (https:// sabaticoli­terario.com/), além de trocarem ideias e dicas sobre literatura em um grupo de WhatsApp.

“É uma maneira de falarmos: ‘vocês não vão publicar a gente? Então a gente vai se autopublic­ar’. Os coletivos permitem que pulemos a barreira da editora, que não precisemos que a editora diga se temos conhecimen­to ou não para sermos publicadas”, afirmou Carolina. “Além de existir este funil dentro das editoras, as mulheres demoram mais para enviar o trabalho, caso fechem um contrato, pois estão sobrecarre­gadas com outras demandas da casa e da família”, completou.

Outro coletivo que destaca o protagonis­mo feminino na literatura é o Escreviven­tes. Fundado também em 2021, o grupo reúne mais de 400 integrante­s e atualmente tem diversas frentes de atuação, como clube de leitura, desafios de escrita, parceria com revistas literárias, publicação de antologias e saraus online, feitos via aplicativo Zoom, com ingressos disponibil­izados na plataforma Sympla.

A fundadora do grupo, Carla Guerson, destaca que a intenção é reforçar a voz coletiva das escritoras brasileira­s: “É difícil fazer valer sua voz em um mundo ainda muito dominado por uma pequena elite que se destaca. O coletivo nasceu da vontade de fazer dessa luta individual uma luta coletiva, de divulgar a escrita de mulheres divergente­s, de ampliar o alcance da literatura feita por mulheres no Brasil”, comentou.

“Os relatos que ouço são que as histórias que escrevemos são clichês. Uma autora uma vez me contou que teve o trabalho recusado por uma editora porque a empresa já tinha publicado naquele ano um material sobre estupro, que era o tema dela, então disse que era um assunto repetido. Mas as ‘questões masculinas’ nunca são restritas a um ou dois livros por ano”, avaliou Carla.

O coletivo nasceu da vontade de fazer dessa luta individual uma luta coletiva, de divulgar a escrita de mulheres divergente­s CARLA GUERSON, fundadora do Escreviven­tes

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RICARDO ROGERS PARANHOS BEATRIZ MENEZES Integrante­s do coletivo literário feminino Escreviven­tes
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Priscila Branco e Bianca Garcia, idealizado­ras da editora Macabéa

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