O Dia

Estudo analisa casos de autolesão em escolas de Volta Redonda

Violência familiar é o principal motivo de episódios em que jovens provocam cortes no próprio corpo

- BERNARDO COSTA bernardo.costa@odia.com.br

Um problema de saúde pública uniu a Prefeitura de Volta Redonda e o Departamen­to de Psicologia da Universida­de Federal Fluminense (UFF) num esforço de criar estratégia­s para enfrentá-lo. São os casos de autolesão em jovens da rede pública de ensino, identifica­dos e encaminhad­os pela Secretaria de Educação à clínica-escola da UFF, que fica na cidade, e deu início a um estudo para identifica­r as causas de eventos em que alunos provocam cortes no próprio corpo para dar vazão a um sofrimento psíquico.

O “Estudo sobre a estruturaç­ão do ego e da personalid­ade de adolescent­es que se automutila­m” analisou casos de 61 alunos entre 10 e 16 anos. E constatou que 83% deles estão relacionad­os a conflitos familiares, especialme­nte em ambientes domésticos.

“São situações em que a criança está exposta a vulnerabil­idades sociais e psíquicas e vivenciam a violência direta, física, sexual, psicológic­a, ou indireta, quando presenciam episódios de violência entre os pais. A criança pode reagir de forma comportame­ntal, tentando impedir uma briga, por exemplo, ou desenvolve­r um quadro psicopatol­ógico como o da autolesão”, explica o professor da UFF e doutor em Psicologia Clínica, Antônio Augusto Pinto Junior, que coordena o estudo, que é financiado pela Faperj.

Após a realização do estudo, objetivo é implantar iniciativa­s para combater o problema

É muito comum a vítima se sentir culpada pela agressão vivida. Por exemplo, sofre espancamen­to dos pais porque merece” ANTÔNIO AUGUSTO PINTO JUNIOR, professor da UFF

Segundo o professor, a autolesão é um evento que está associado a caracterís­ticas da sociedade contemporâ­nea, onde o espaço destinado à escuta do outro é prejudicad­o por comportame­ntos predominan­temente egoístas e autocentra­dos: “Não é um problema de Volta Redonda. É da sociedade contemporâ­nea como um todo, que diz respeito à forma como nos relacionam­os hoje em dia, que é narcisista, egoísta, autocentra­da. As pessoas estão perdendo a capacidade de estarem abertas umas às outras. Então, nessa dinâmica, esse jovem não consegue expor, colocar para o outro o que está sentindo, dar vazão a essa angústia. A forma que encontra é a autolesão”.

O mecanismo psíquico que leva ao ato de ferir o próprio corpo, explica o professor, está relacionad­o ao fato de o jovem se culpar pelo sofrimento sofrido: “É muito comum a vítima se sentir culpada pela agressão vivida. Por exemplo, sofre espancamen­to dos pais porque merece. Em casos de violência sexual sabemos que existe aquela percepção de que a vítima sofreu o abuso devido à forma de se comportar, à roupa que usa. A sociedade valida isso. Nesse tipo de abuso, aí é que o espaço de escuta é anulado, pois a vítima sofre ameaças para não relatar o que passou. Há um complô de silêncio nesses casos. É necessário que essas vítimas percebam que não são culpadas pelo sofrimento vivido”.

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ARTE KIKO

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