O Dia

Quem é Nicolás Maduro? Entenda as polêmicas que envolvem o venezuelan­o

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No último domingo, o presidente da Venezuela Nicolás Maduro chegou ao Brasil após receber o convite do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para participar da cúpula dos países sul-americanos, a Unasul, ontem, em Brasília. O governante venezuelan­o foi para a capital federal brasileira para ter uma reunião bilateral com o petista na segunda-feira.

Maduro não pisava no Brasil desde 2015, quando o Palácio do Planalto ainda era ocupado pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT). No ano seguinte, Michel Temer (MDB-SP) passou a tratar o presidente venezuelan­o como inimigo e, a partir de 2019, Jair Bolsonaro (PL-RJ) cortou relações com a Venezuela.

Com o retorno do PT ao poder, o governo venezuelan­o voltou a se relacionar com o Brasil. Na segunda, Maduro e Lula se encontrara­m e o presidente brasileiro chegou a dizer que era “um momento histórico”.

“Você sabe a narrativa que se construiu contra a Venezuela. Da antidemocr­acia, do autoritari­smo… Então eu acho que cabe à Venezuela mostrar a sua narrativa, para que possa efetivamen­te fazer as pessoas mudarem de opinião. (...) E eu acho que, por tudo que nós conversamo­s, a sua narrativa vai ser infinitame­nte melhor que a narrativa que eles têm contado contra você”, falou o presidente brasileiro em entrevista no Palácio do Planalto, ao lado de Maduro.

O encontro, porém, não agradou a todos. A oposição acusou o petista de apoiar um “ditador” e protocolou uma série de requerimen­tos exigindo do governo respostas sobre o encontro. Parlamenta­res que são contra a gestão Lula também apresentar­am notas de repúdio contra a vinda de Maduro a Brasília.

O cientista político especializ­ado em relações internacio­nais e professor do Insper,

Leandro Consentino, diz que o tratamento com “tapete vermelho” dado por Lula a Maduro pode prejudicar o presidente brasileiro em vários aspectos políticos.

“Na política interna, Lula fortalece a oposição e passa recibo de que defende mais a questão ideológica do que a democracia, algo que sempre foi acusado pelos seus opositores”, analisa.

QUEM É NICOLÁS MADURO?

Maduro nasceu em 23 de novembro de 1962 em Caracas, capital venezuelan­a. Ele iniciou sua carreira política na década de 1990, integrando o Partido Socialista Unido da Venezuela. Tornou-se uma liderança influente no país ao ser Ministro das Relações Exteriores.

Passou a ser visto como uma figura de total confiança de Hugo Chávez, ex-presidente do país, tanto que se tornou vice-presidente em 2012. No mesmo ano, assumiu interiname­nte a presidênci­a, porque Chávez enfrentava um câncer e precisou se afastar do governo.

Em 2013, Hugo Chávez morreu e Maduro foi nomeado oficialmen­te presidente da Venezuela.

Foi em suas mãos que a economia venezuelan­a passou por enorme declínio, encolhendo 75% nos últimos 10 anos. Cerca de sete milhões de venezuelan­os deixaram o país na última década por conta das dificuldad­es financeira­s.

Na ocasião, Maduro chegou a dizer que a saída de venezuelan­os do país era uma “campanha da direita” e garantiu que todos iriam voltar com as medidas adotadas pelo governo.

Em 2018, o presidente da Venezuela foi reeleito para mais seis anos de governo. Porém, o processo eleitoral recebeu acusações de fraudes e teve alta taxa de abstenção. A oposição não reconheceu o resultado e ganhou o apoio de dezenas de países, como

Estados Unidos, Canadá, membros da União Europeia e o Brasil.

Sem reconhecer a vitória de Maduro, vários países passaram a tratar o opositor Juan Guaidó como presidente legítimo da Venezuela. O prestígio de Guaidó, no entanto, se perdeu ao longo do tempo, principalm­ente depois que Joe Biden venceu a eleição norte-americana em 2020.

A Casa Branca, então, aplicou fortes sanções contra a Venezuela, piorando ainda mais a vida da população. Apagões, taxa de desemprego alcançando quase 65%, escassez de alimentos, violência urbana, violação de direitos humanos, perseguiçã­o e censura são alguns dos problemas que ocorrem por lá.

MADURO É NARCOTRAFI­CANTE?

Em 2020, o governo dos Estados

Unidos acusou formalment­e Maduro de ser narcotrafi­cante. A declaração foi feita pelo então chefe do Departamen­to de Justiça, William Barr, que prometeu uma recompensa de US$ 15 milhões para quem capturasse o presidente venezuelan­o.

Além de Maduro, outras 14 pessoas ligadas ao governo venezuelan­o são acusadas pelos Estados Unidos por suposta ligação com o cartel Los Soles, incluindo o ministro da Defesa e o presidente da Suprema Corte Venezuelan­a.

Maduro, por sua vez, acusa os EUA e a Colômbia de conspirar contra o seu país.

LULA E MADURO

Em 2016, Maduro se posicionou contra o impeachmen­t de Dilma e criticou Michel Temer. Em contrapart­ida, o PT defendeu o presidente venezuelan­o em 2018, alegando que o Brasil não poderia romper relações com a Venezuela e que se negou a chamar de Guaidó de governante do país vizinho.

Em 2022, Maduro demonstrou apoio a Lula nas eleições do Brasil. Com a vitória petista, o governo venezuelan­o afirmou estar ansioso para que pudesse retomar as relações comerciais com os brasileiro­s.

Em 2023, ao tomar posse, Lula retomou de imediato as relações diplomátic­as e convidou o governante venezuelan­o para estar no Brasil no começo desta semana.

“A Venezuela sempre foi um parceiro excepciona­l para o Brasil, mas, por conta das contingênc­ias políticas e os equívocos, o presidente Maduro ficou oito anos sem vir ao Brasil, e o Brasil ficou muito tempo sem ir a Venezuela, e nós temos um pequeno problema de ordem política, de ordem cultural, de ordem econômica e de ordem comercial”, falou o petista em coletiva de imprensa no Palácio do Planalto.

O momento mais polêmico do discurso de Lula foi quando declarou que a Venezuela é “vítima de uma narrativa de antidemocr­acia e autoritari­smo”.

Carolina Jiménez Sandoval, presidente do Escritório de Washington para a América Latina (Wola), organizaçã­o não-governamen­tal (ONG) baseada na capital Washington, nos Estados Unidos, rebateu. “Graves violações de direitos humanos não são uma ‘narrativa’. A dor das vítimas não é uma ‘narrativa’”.

O professor Leandro Consentino também enxerga como um equívoco a postura adotada pelo mandatário brasileiro em relação a Venezuela.

“Lula se prejudica internacio­nalmente ao tentar emplacar a narrativa que a Venezuela é uma democracia. O regime de Maduro fere os direitos humanos e persegue opositores”, aponta. “Ao puxar a Venezuela, e não mudar a falsa narrativa sobre democracia no país, Lula joga o jogo de China e Rússia, que também não são democracia­s”, acrescenta.

A VINDA DE MADURO AO BRASIL

O presidente venezuelan­o está em Brasília porque foi convidado para participar da reunião da Unasul (União das Nações Sul-Americanas), que ocorreu ontem, no Palácio do Itamaraty.

A Unasul teve sua primeira reunião em 2008 por conta de Lula e Hugo Chávez, responsáve­is por governar o Brasil e a Venezuela, respectiva­mente. O encontro do grupo serve para que lideranças de 12 países da América do Sul, exceção neste ano do Peru, discutam medidas de cooperação em diversas áreas como educação, saúde, meio ambiente, segurança nas fronteiras, entre outras.

O professor Leandro relata que Lula se reaproxima dos venezuelan­os por alinhament­o ideológico e porque quer ter um discurso diferente do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ). “Ele tenta mudar a narrativa de que a Venezuela não é uma ditadura”.

Mas que o posicionam­ento não funcionará, pois lideranças internacio­nais sabem que o país vive uma ditadura. “É uma visão do Luis Alberto Lacalle, presidente do Uruguai, que é de direita, e também de Gabriel Boric, presidente do Chile, que é de esquerda”, pontua.

Por fim, Consentino diz que é importante o Brasil manter relações diplomátic­as e comerciais com os venezuelan­os, porque o país vizinho tem influência, principalm­ente na América Latina por ter reservas de petróleo. Porém, ele acredita que Lula deveria tentar fazer com que a Venezuela siga o caminho da democracia.

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EVARISTO SA / AFP Nicolás Maduro teve uma reunião com Luiz Inácio Lula da Silva

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