“Negociação política entre dois poderes marca o Rio”
Doutora em História pela UFF e professora da FGV-RJ, Marly Motta é especialista em Política fluminense e autora do livro “E agora, Rio? Um estado em busca de um autor”. Para Marly, “projetos oriundos de diversos setores da elite política carioca e fluminense com vistas a construir um novo ente federado capaz de competir com
São Paulo e Minas por um protagonismo nacional esbarraram em dificuldades de ordem pessoal de seus líderes políticos”. À coluna, ela falou ainda sobre o papel da Baixada na política estadual.
SIDNEY: A senhora estuda o Rio de Janeiro há algum tempo. O livro “E agora, Rio?” relembra a história política no período entre 1975 e 2021. Onde estamos e para onde a elite fluminense sinaliza que estamos indo?
MARLY MOTTA: Duas questões estão em jogo. A primeira é: por que um estado criado há quase 50 anos ainda hoje se confronta com o dilema original? Ou seja, o “E agora, Rio?” é uma demonstração inequívoca da instabilidade política que marca o novo estado do Rio desde a sua criação, em 1975. Os vários projetos oriundos de diversos setores da elite política carioca e fluminense com vistas a construir um novo ente federado capaz de competir com São Paulo e Minas por um protagonismo nacional esbarraram em dificuldades de ordem pessoal de seus líderes políticos e, sobretudo, da ausência de uma lideranca efetiva capaz de levar a cabo um projeto que aglutinasse interesses variados em torno de um eixo que desse sentido ao novo Rio de Janeiro.
Por que a senhora diz que o Rio é um estado à procura de autor?
Por isso mesmo, a relevância conferida à incessante busca por um “autor” capaz de construir esse estado oriundo da fusão de dois estados que não possuíam tanta coisa em comum além da proximidade geográfica. Na competição por um espaço privilegiado no pacto federativo, o Rio teria que enfrentar São Paulo e Minas Gerais, estados por demais consolidados em suas estruturas locais e regionais.
O que o eleitor diz nas urnas quando faz apostas em variados padrões de liderança, do Brizola, em 1982, até os dias de hoje?
O primeiro “autor” escolhido pelo eleitorado foi Leonel Brizola, claramente imbuído da missão de se tornar presidente do Brasil. A construção do novo estado ficaria submetido ao projeto nacional de seu primeiro governador eleito. A estruturação das bases da política local foi relegada a segundo plano. Incapaz de fazer seu sucessor, Brizola não conseguiu ser esse autor do novo estado. Moreira Franco investiu na armadura institucional, principalmente por meio da aprovação da nova Constituição estadual. Nela, o poder do presidente da Alerj seria firmado, estabelecendo um padrão de negociação política entre os dois poderes que marcaria o Rio até hoje. Um outro elemento que favoreceu a busca desse autor residiu no fato de que a competição partidária no Rio se deu fora do eixo competitivo nacional entre PSDB e PT a partir das eleições de 1994. Apesar da vitória de Marcelo Alencar neste ano, o partido do presidente FHC não conseguiu se firmar como opção política relevante, e o PDT de Brizola volta ao poder com a primeira liderança política do interior a chegar ao Palácio Guanabara, Garotinho. A possibilidade de se ter a construção de pontes entre “capital” e “interior” acabou esbarrando nos seus voos com vistas ao Planalto.
A Baixada Fluminense hoje é mais protagonista da política do que no passado?
Rio de Janeiro na incessante busca por um autor”
A conquista de uma dose razoável de autonomia econômica da Baixada foi acompanhada de um protagonismo político evidente no crescimento do eleitorado de municípios como Caxias, São João do Meriti, bem como na multiplicação de municípios em função da Constituição de 1988. A multiplicação de líderes locais foi outra consequência desse crescente protagonismo político da Baixada, e de sua afirmação no cenário fluminense.