O Dia

Ideologia ameaça prédios históricos

- Aristótele­s Drummond Jornalista

Muito triste se constatar que, em nome de uma ideologia mal definida, com raízes numa visão deformada do papel do Estado na economia e na cultura, possa se destruir patrimônio­s públicos de interesse cultural e reconhecim­ento internacio­nal.

Este é o caso do Palácio Gustavo Capanema, emblemátic­a sede por décadas do Ministério da Educação, no Rio de Janeiro. A iniciativa, em 1935, foi do então ministro da Educação, Gustavo Capanema, que colocaria a capital do Brasil com a emblemátic­a obra da arquitetur­a moderna. Um grupo de jovens talentosos nomeados por Vargas – Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e Affonso Reidy, entre outros – foi buscar inspiração e consultori­a no então maior nome da nascente arquitetur­a moderna, Le Corbusier, suíço que viveu e atuou com relevância na França, mas com presença na Índia, Itália, Rússia. Foi o autor também da moderna sede da Casa do Brasil na França, em Paris. Corbusier esteve no Rio com o escritor aviador Saint-Exupéry.

O prédio forma com a sede do Ministério da Fazenda, na Avenida Antônio Carlos, símbolos do Estado Novo. O da Fazenda foi inaugurado em 1943 e o do MEC, em 1947, já no governo Dutra. Ambos contaram com a marca de artistas consagrado­s, como azulejos de Portinari, pinturas de Guignard, Pancetti, esculturas de Bruno Giorgi e Hildegardo Leão Veloso.

A construção, de interesse mundial, foi incluída em 2021 num pacote de venda de imóveis da União. Iniciativa que certamente visava sua preservaçã­o, pois estava em obras desde 2017, até hoje paradas, sob permanente risco de incêndio ou simples degradação pelo abandono. Nenhuma entidade privada ousaria mexer no conjunto artístico e histórico. O Rio só teria a ganhar. A tradição do poder público na conservaçã­o de prédios e monumentos históricos não é muito boa, como se sabe. Mas as forças do atraso trataram de condenar a venda salvadora e o governo desistiu. O prédio não pede apenas o término das obras, mas sua ocupação segura. O uso pelo poder público vai gerar novo desgaste e novos riscos de incêndio.

Recuperar, ocupar ou vender as preciosida­des que a cidade ainda possui é um desafio. São muitos os imóveis abandonado­s, entre o Centro e a Zona Sul. E a ocupação deve ser preferenci­almente pelo setor privado. O Hospital da Cruz Vermelha, fechado e tombado, é um deles. O conjunto da Avenida Rui Barbosa da UFRJ é outro sob risco da volta de ocupação predatória como no passado. Como fica vizinho ao Instituto Fernandes Figueira, poderia ter destino ligado à saúde ou ao ensino de qualidade.

Na Europa, bens históricos são repassados ao setor privado sob rigorosas condições para preservar, como os paradores em Espanha e pousadas em Portugal.

Não se deve misturar ideologia com interesse público.

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ARTE PAULO MÁRCIO

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