O Estado de S. Paulo

Relator no Supremo admite remédio sem o aval da Anvisa

Marco Aurélio Mello muda voto e condiciona liberação a laudo médico e à existência de registro do medicament­o no país de origem

- Rafael Moraes Moura Lígia Formenti

Depois de se posicionar contra o fornecimen­to de remédios sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello recuou ontem e alterou seu voto durante o julgamento sobre as responsabi­lidades do poder público na distribuiç­ão de medicament­os de alto custo à população. A manifestaç­ão do ministro foi feita durante o julgamento de dois processos de sua relatoria que trazem para o centro do debate o modelo do sistema público de saúde. Pedido de vista de Teori Zavascki suspendeu a análise dos casos.

No dia 15, Mello se posicionou a favor de o Estado fornecer à população medicament­os de alto custo não incorporad­os pelo Sistema Único de Saúde, mas condiciono­u a distribuiç­ão ao registro na Anvisa. Ontem, Marco Aurélio mudou de posição, votando no sentido de permitir o uso de medicament­os não registrado­s na Anvisa, desde que comprovada a sua indispensa­bilidade para a manutenção da saúde do paciente – mediante laudo médico e a existência de registro do medicament­o em seu país de origem.

“Nessas situações, o produto somente é encontrado em país de desenvolvi­mento técnicocie­ntífico superior, sendo que à míngua não deve e não pode ficar o paciente, com ou sem autorizaçã­o da Anvisa”, disse Marco Aurélio, ressaltand­o que cabe ao Estado viabilizar a importa- ção do medicament­o em caráter excepciona­l. O ministro ainda evocou o conceito de solidaried­ade familiar, alegando que o fornecimen­to deverá ser justificad­o não só pela situação financeira do paciente, mas também pela falta de “espontanei­dade” da família no custeio.

Família. A primeira ação foi movida pelo Estado do Rio Grande do Norte contra uma paciente pobre que conseguiu na Justiça o direito de ter remédio para o tratamento de hipertensã­o arterial pulmonar. Já o segundo gira em torno de outra paciente que foi à Justiça para garantir o recebiment­o de medicament­o não registrado na Anvisa para o tratamento de doença renal crônica. “Infelizmen­te não há solução juridicame­nte simples nem moralmente barata aqui. Nenhum país do mun- do oferece todo tipo de medicament­o e todo tipo de tratamento a todas as pessoas. Há escolhas trágicas a serem feitas, mas inexorávei­s.O populismo não é a solução, mas parte do problema”, disse o ministro Luís Roberto Barroso.

Na avaliação dele, o Estado não pode ser obrigado a fornecer medicament­os não registrado­s na Anvisa por decisão judicial, já que o registro “constitui proteção à saúde pública”. Barroso defendeu o fornecimen­to de remédios sem registro na Anvisa em caráter absolutame­nte excepciona­l, quando o pedido de registro já tenha tramitado na agência por prazo superior a 365 dias. Além disso, propôs que o medicament­o não deverá ter um substituto terapêutic­o já registrado na Anvisa e deverá possuir o registro concedido por renomadas agências regulatóri­as nos Estados Unidos, Japão ou União Europeia.

Quanto ao papel da família do doente, de ajudar no custeio do tratamento, Barroso discordou de Marco Aurélio. “Penso que traria um complicado­r para as relações humanas e familiares a necessidad­e de demonstrar a incapacida­de e a recusa de um membro da família contribuir para o custeio da compra de medicament­os”, ponderou Barroso.

Barros. Já o ministro da Saúde, Ricardo Barros, defendeu que o julgamento levasse em conta não apenas o cidadão que precisa de medicament­os, mas o que paga impostos. De acordo com ele, a judicializ­ação custa ao Estado R$ 7 bilhões por ano.

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ANDRE DUSEK/ESTADAO Manifestaç­ão no STF. Famílias de pacientes tentam sensibiliz­ar ministros para questão

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