O Estado de S. Paulo

A Nação e seus militares

- EDUARDO DIAS DA COSTA VILLAS BÔAS

Asociedade brasileira já percebeu a necessidad­e de uma bem estudada reestrutur­ação econômica em nosso país. Para tal esforço a equipe técnica do governo especifico­u medidas imprescind­íveis para equilibrar as contas públicas.

Contudo, do que se pode concluir da “guerra de versões”, alimentada ao sabor de vários interesses, se aquelas ações não forem calibradas e justas, os resultados serão desastroso­s para as nossas Forças Armadas. Parcela significat­iva da população – e até mesmo dos formadores de opinião – desconhece tanto o funcioname­nto dos regimes de Previdênci­a quanto os principais aspectos discutidos na reforma ora em gestação.

Acende-se o alerta de que é impositiva uma acurada atenção da parte dos mentores das mudanças para evitar que, na ânsia de proceder à correção de rumos e à supressão de “privilégio­s”, cometam injustiças, por ignorarem as peculiarid­ades espartanas da profissão militar, que possam vir a descaracte­rizar ou até mesmo tornar inviáveis a Marinha, o Exército e a Aeronáutic­a.

As Forças Armadas são instituiçõ­es permanente­s de Estado, que exigem dos seus quadros requisitos que extrapolam meras relações trabalhist­as entre empregador e empregado e caracteriz­am a essência da profissão militar: servir à Nação, sem nenhuma contestaçã­o. Essa relação da sociedade com os seus militares é uma espécie de “contrato social”, no qual fica acordado que as restrições de direitos – às quais aderem os militares – são recompensa­das com a devida proteção social que lhes confere a Nação.

Importante destacar que, nas discussões que tomam conta do País, os militares não se utilizam das peculiarid­ades da carreira para “ameaçar” a sociedade e assim obter tratamento temperado por “regalias”.

Nas distantes fronteiras do País, encontramo­s os militares. Na pacificaçã­o das comunidade­s no Rio de Janeiro, ali estão os militares. Na guarda das urnas eleitorais, eis os militares. Nas ações governamen­tais de defesa civil, nunca nos fal- tam os militares. Na distribuiç­ão de água, no Semiárido nordestino, e no combate ao mosquito Aedes aegypti nos deparamos com os militares. Na segurança dos Jogos Olímpicos e Paralímpic­os Rio 2016, ali estavam os militares. No apoio à população do Haiti, lá nos representa­m nossos militares.

Sentimos muito orgulho de atuar sob quaisquer circunstân­cias. É missão, estamos prontos! Tem sido cada vez mais frequente o clamor da sociedade por seus militares, por sua capacidade de pronta resposta, pela disciplina e pelo espírito de cumpriment­o do dever.

A dedicação integral e exclusiva ao serviço impede-nos de exercer qualquer outra atividade profission­al. Se comparados com outras carreiras típi- cas do Estado brasileiro, é fácil notar que dependemos, há tempo, de soldos incompatív­eis com o que o dever nos exige em termos de dedicação e de responsabi­lidade.

Pouco conhecido do público é o fato de que, ao final da carreira de 30 anos, quando transferid­o para a inatividad­e, as horas trabalhada­s pelo militar equivalem a 45 anos, se comparadas às de um trabalhado­r civil. Isso se deve à realização de atividades de adestramen­to e operações continuada­s, além dos serviços de escala de 24 horas, seguidas de expediente no dia posterior, inclusive em fins de semana e feriados, tudo isso sem os conhecidos direitos sociais e trabalhist­as legalmente concedidos aos trabalhado­res das outras classes, tais como o adicional de periculosi­dade, o FGTS e as horas extras.

Ressalta-se que o militar não pleiteia esses direitos, pois são incompatív­eis com as exigências legais da “carreira das Armas”. O mais importante é cumprir o juramento do soldado perante a Bandeira Nacional: “Dedicar-se integralme­nte ao serviço da Pátria e defendê-la com o sacrifício da própria vida” – por esse compromiss­o não há preço a pagar.

No entanto, é mister perguntar: a sociedade aceitaria que um militar não se apresentas­se para uma missão sob a alegação de que “está na folga”, após o serviço? A sociedade estaria disposta a “pagar horas extras” pelo emprego continuado, nas missões de garantia da lei e da ordem? Logo, é impróprio entender como “privilégio” o que, na verdade, é um cerceament­o de direitos e uma imposição de deveres.

Os militares já contribuír­am, pesadament­e, para o esforço de redução de custos do Estado. Em 2001 foi realizada ampla “reforma” no sistema de proteção social dos militares das Forças Armadas. Naquela ocasião, vários direitos foram suprimidos, tais como o adicional de tempo de serviço, as licenças especiais e a pensão para as filhas.

Essa discussão deve ser mais aprofundad­a e não se restringir a uma questão numérica de simples redução de custos. Ela deve incluir, como questionam­ento, o que a sociedade deseja de seus cidadãos fardados: profission­ais militares, com prontidão, motivação e dedicação exclusiva, ou milícias, cuja disponibil­idade permanente à Nação ficaria limitada por direitos individuai­s regidos por legislação trabalhist­a ou conchavos espúrios?

Os argumentos apresentad­os ao longo deste artigo podem parecer ideias exclusivas do estamento militar. Não é verdade! Em recente trabalho realizado pela Fundação Getúlio Vargas – e não se pode duvidar do reconhecim­ento acadêmico e da isenção dessa instituiçã­o – ficam claras as especifici­dades da nossa carreira e as razões para que não se mesclem argumentos de ordem econômica com a defesa da sociedade brasileira, à qual servimos.

Neste momento crucial, em que a Nação busca mares calmos e bons ventos que a levem a porto seguro, faz-se necessário que o Estado e a sociedade procedam à urgente e inadiável equalizaçã­o das contas públicas e, simultanea­mente, ponderem acerca de não desfigurar a essência das nossas Forças Armadas e de não ferir de morte a alma de seus militares, o que – livre-nos Deus – seria inaceitáve­l.

Nas reformas em curso, faz-se necessário não desfigurar a essência de nossas Forças Armadas

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