O Estado de S. Paulo

Guerra contra o Estado Islâmico

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Aimediata reação da França ao hediondo atentado terrorista cometido na sexta-feira passada em Paris, que deixou mais de 120 mortos, foi intensific­ar os bombardeio­s sobre alvos do Estado Islâmico na Síria. Compreende­se que o primeiro recurso tenha sido o uso da força, e ninguém de bom senso será capaz de opor argumentos razoáveis a essa decisão. No entanto, a história recente oferece muitos exemplos de que tal estratégia, se adotada de forma isolada, desacompan­hada de medidas que visem a minar a estrutura dos grupos terrorista­s, resulta em fracasso e, mais do que isso, parece ter o condão de estimular a propagação do mesmo mal que se procura combater.

É evidente que a França e todos aqueles que prezam a liberdade, da qual os celerados que cometeram os atentados são ferozes inimigos, tinham e têm de agir para impedir que novos atentados ocorram, a começar pela investigaç­ão e punição dos envolvidos dentro do próprio país. Para isso existe rigorosa legislação, que nunca está a salvo de polêmica – basta lembrar a lei, aprovada em maio, que prevê a espionagem telefônica e na internet de qualquer suspeito de terrorismo.

Malgrado a controvérs­ia natural em torno do tema, nenhum governo pode omitir-se em relação aos perigos do terrorismo – e tal constataçã­o só acentua, no Brasil, a irresponsa- bilidade petista ao reduzir a discussão sobre uma lei antiterror­ismo a uma hipotética tentativa de criminaliz­ação de “movimentos sociais”. Graças aos compromiss­os do PT com grupos que depredam e saqueiam – atos que, em muitos casos, precedem o terror –, o País tornou-se um dos poucos, após o 11 de Setembro, a não dispor de lei específica para combater o terrorismo. A tragédia de Paris – a menos de um ano da Olimpíada do Rio, quando as atenções do mundo estarão voltadas para o Brasil – serviu para evidenciar esse constrange­dor atraso, que o Congresso, agora, promete abreviar.

É preciso ressaltar, no entanto, que o rigor legal e os bombardeio­s, embora indispensá­veis, não são suficiente­s para enfrentar o desafio imposto pelo Estado Islâmico. O grupo, conhecido pela sigla EI, surgiu no Iraque, em 2006, a partir de uma iniciativa da organizaçã­o terrorista Al-Qaeda, com o objetivo de defender a minoria sunita contra os xiitas que haviam chegado ao poder depois da ofensiva dos Estados Unidos. Mas a brutalidad­e do EI, que recorre a decapitaçõ­es, estupros, crucificaç­ões e outras barbaridad­es, fez com que até a Al-Qaeda se desvincula­sse do grupo, que em 2013 passou a lutar na Síria contra o regime de Bashar al-Assad, aliado do Irã, cujo governo xiita lidera a luta contra os sunitas.

Depois de ter conquistad­o território­s na Síria e no Iraque, onde estabelece­u um “califa- do”, o EI passou a ser atacado por forças ocidentais, como Estados Unidos e França. Embora possa ter havido algum progresso nessa ofensiva, o fato é que o EI demonstrou, com o atentado em Paris, que tem outras opções além da guerra convencion­al na defesa de seu “Estado”. Como as fronteiras desse “Estado” são muito mais ideológica­s do que geopolític­as, só será possível combatêlo com eficiência se, além da força militar, forem empregados mecanismos para exaurir suas fontes de financiame­nto e neutraliza­r a propaganda que tem seduzido jovens do mundo todo a se alistar em suas fileiras e a integrar células terrorista­s.

O EI é um dos frutos de uma horrorosa distorção do islamismo, nascida na Arábia Saudita, não por acaso o berço também da Al-Qaeda. Sua guerra contra qualquer forma de civilizaçã­o, impulsiona­da pelo poder das redes sociais, ajudou a criar uma atmosfera de terror permanente, e entre seus efeitos nefastos se inclui nada menos que a maior onda de refugiados desde a 2.ª Guerra.

Urge, portanto, como pediu o governo da França, que se organize uma coalizão militar internacio­nal para eliminar o “califado” do EI, cujos líderes já demonstrar­am seu total desapreço pela humanidade. Mas não se pode perder de vista que o EI é, antes de tudo, uma ideia – e a destruição de uma ideia demanda muito mais do que armas.

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