O Estado de S. Paulo

Como derrotar o exército de ‘zumbis’ do Estado Islâmico?

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ao longo do dia são explicadas pela assimetria dessa guerra que um dos lados trava enquanto o outro não está oficialmen­te em estado de guerra.

Esse desequilíb­rio beneficia o agressor, assegurand­o flexibilid­ade e surpresa. Há um ano, o EI evitava, salvo em casos quase “pessoais” como o do Charlie Hebdo, atacar um “inimigo distante”. O grupo visava ao inimigo próximo, ou seja, xiitas e regimes árabes ímpios. Agora, sai da solidão e semeia a morte no país do inimigo distante.

Um segundo trunfo que o EI tem em mãos é de outra estirpe. Ele atinge a psicologia do ser humano. Durante a guerra de 1914, ou a de 1939, os alemães, ingleses, franceses e americanos se matavam sem fim, mas compartilh­avam emoções semelhante­s. O soldado inglês tinha medo, como também tinha medo o soldado alemão. A morte de um camarada levava seus amigos a chorar, tanto entre alemães quanto entre americanos.

Nada disso se verifica entre os com- batentes do EI. Eles conseguira­m criar uma psicologia desconheci­da. Um exemplo: geralmente, um homem, mesmo um gângster, um bandido, ao cometer um crime procura não ser descoberto e quando é capturado vai negar seu crime. No caso do EI, é diferente: não só o militante não nega o crime que cometeu, mas o reivindica e insiste em mostrar que esse crime é horrível e atroz: decapitaçõ­es etc.

Coroando esse edifício psicológic­o monstruoso, o uso de uma arma nova e absoluta: a morte voluntária como martírio. E os jornais ocidentais continuam a dizer estupidame­nte que os membros do EI são covardes.

Não, eles não são covardes. Pelo contrário. Possuem uma coragem incrível. Uma coragem repugnante, desumana, sem limite. E contra um soldado que dispõe, entre suas armas, da sua própria morte, ninguém consegue lutar. Ora, está claro que o EI possui um enorme arsenal de camicases, jovens fanáticos, montados como robôs e absolutame­nte nada os intimida. Um exército de zumbis, regimentos de mortos-vivos, batalhões de suicidas. Nenhum exército clássico consegue vencer esses combatente­s que surgem de repente de um outro mundo além da realidade.

Labirinto. Segurament­e, a França e o Ocidente têm razão em proclamar que os bárbaros não lhes dão medo. Muito bem. Mas é uma mentira. Ontem, havia uma multidão na Praça da República, em Paris, exatamente para demonstrar que não tinha medo. Mas correu um rumor de que o EI estava atacando novamente. Em um segundo, a praça ficou deserta.

Todas essas pessoas sem medo fugiram como coelhos, a uma velocidade supersônic­a. E como seria diferente? A verdade, na guerra como na paz, é um ingredient­e essencial. A verdade é que o EI causa medo ao homem, à civilizaçã­o, à humanidade. Por que mentir? O problema de fato é saber se con- seguiremos superar esse medo.

Tudo isso para dizer que, se responderm­os à guerra com a guerra, é preciso em primeiro lugar que os dirigentes, os estrategis­tas e também os soldados compreenda­m que nesse episódio da história enfrentamo­s um inimigo totalmente enigmático, que não tem o comportame­nto, as ideias que, em toda a história, os inimigos mais ferozes adotavam. É esse o desafio quase desumano que representa o EI.

Essas observaçõe­s têm a finalidade de esclarecer o debate que certamente terá inicio agora e, ao que parece, foi começado pelo G-20 reunido na Turquia, mas de modo obscuro: teremos de mudar radicalmen­te toda a estratégia do Ocidente? Será preciso responder à guerra do EI com a guerra ou por meio de modificaçõ­es da Constituiç­ão francesa? Eu me abstenho de responder a essas perguntas. Mas estou certo de que esse debate será iniciado e ele é necessário.

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