O Estado de S. Paulo

Tutty Vasques e o noticiário com bom humor

Alfredo Ribeiro de Barros reuniu em livro sua produção dos últimos 15 anos – e ela soa comicament­e atual

- Guilherme Sobota

Em tempos de barbáries no Brasil e mundo afora, é difícil encontrar espaço impresso para o humor. O jornalista carioca Alfredo Ribeiro de Barros – com seu alter ego Tutty Vasques – encarou a missão de conciliar o noticiário com uma dose de bom humor na imprensa diária por 30 anos – os últimos sete, até 2014, no Estado. Parte dessa produção está agora reunida no livro Ô, Raça, que sai pela Editora Apicuri – o lançamento em São Paulo ocorre hoje na Livraria Cultura do Conjunto Nacional (Av. Paulista, 2073), às 18h30.

Desde dezembro do ano passado, Ribeiro se dedica aos seus perfis nas redes sociais e, desde setembro, trabalha no Instituto Moreira Salles. “Tem sido ótimo, acho que estamos virando uma única pessoa. Tutty todo dia, nunca mais!” Sobre o livro – que traz frases e comentário­s sobre fatos noticiados pela imprensa desde 2001 e perfis “pessoalíss­imos” escritos sobre personalid­ades como Gerald Thomas e Nelson Motta –, ele respondeu às seguintes questões.

É engraçado como algumas frases que você coloca no primeiro capítulo, de 2001 ou 2006, soam tão atuais, poderiam ser de hoje ou de semana passada. O bom e o ruim de revisitar os últimos 15 anos do Tutty foi perceber com grande alegria profission­al e enorme apreensão pessoal que há, no que escrevi ao longo deste tempo, uma substância atemporal, que eu temia perecível pelo próprio caráter do noticiário que serve de matéria-prima ao humor do Tutty. Acho que o livro propõe ao leitor que dê um desconto ao DNA da História do Brasil: isso aqui nunca foi bom, está custando a melhorar, mas também já esteve pior. Pode haver alguma graça neste caminho.

O humor hoje é um pouco mais necessário do que há 10 anos, você concorda? Especialme­nte esse em relação ao noticiário... Sou suspeito para concordar, mas desconfio que estamos de acordo com uma ideia que não combina muito com o estado de espírito dominante na imprensa e nas redes sociais. O Brasil virou o país dos indignados. Não que a indignação não faça sentido, pelo contrário, vivemos uma época de lascar, tempos especialme­nte pervertido­s, mas reagir como se estivesse com dor, gritando, “eu não aguento mais”, “a que ponto chegamos”, “basta!”, francament­e, além de não mudar nada, é chato pra caramba. O noticiário alimenta esta chateação. Acho um engano. Daqui a alguns anos, não ligaremos mais o nome à pessoa do Eduardo Cunha, quer apostar? Eu mesmo já esqueci do nome daquele deputado que construiu um castelo em Minas, lembra dele?

As últimas semanas viram nas redes sociais um levante feminista em busca da preservaçã­o de direitos das mulheres. Como você acha que o humor pode se relacionar com esse movimento? Esse movimento das mulheres é uma luz no fim da gritaria. Elas estão dizendo coisas objetivas, corajosas, ocupando espaços de forma inteligent­e. Tem vida no que elas estão levando às ruas. Há décadas, o Brasil não se pronunciav­a com tamanha propriedad­e – tomara que vá além do fora ‘Fora Cunha!’ –, mas isso não livra ninguém, no caso a mulherada, do humor. Não se faz piada só com gente ruim. Tenho me relacionad­o direto com o movimento em busca de graça nas redes. Exemplo de um post publicado: “Entreouvid­o nos bastidores do #Agoraéques­ãoelas, a bela campanha de ocupação pelas mulheres de espaços em jornais cedidos por homens colunistas: ‘Escrever a coluna do Gregório Duvivier é mole, quero ver escrever a do Merval Pereira.’”

O politicame­nte correto é algo que te preocupa? Houve um tempo em era bacana. Depois ficou chato. Hoje, virou a coisa mais cafona do mundo. Ninguém quer ser. E ninguém faz o menor esforço para não sê-lo, basta ver a ala dos indignados que defende abertament­e a volta da ditadura. Acho que a única regra que serve para o humor é o compromiss­o de tentar não atravessar a fronteira entre a graça e a grosseria. O problema é que, quanto mais próximo da linha imaginária que separa uma coisa da outra, melhor a piada. Nessa busca pelo extremo da graça, não tem jeito, todo mundo que trabalha com humor de vez em quando se esborracha no lado errado. É horrível, mas é do jogo.

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ALEXANDRE SANT’ANNA/DIVULGAÇÃO Ribeiro. ‘O Brasil virou o país dos indignados’

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