O Estado de S. Paulo

Corrupção e pessimismo

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Executivos brasileiro­s estão mais pessimista­s que a maior parte de seus colegas de outros países e mais preocupado­s com os efeitos econômicos da corrupção, segundo pesquisa anual conduzida em 83 países pela Pricewater­houseCoope­rs (PwC) e divulgada em Davos, em evento paralelo ao Fórum Econômico Mundial. Não só os dirigentes de empresa se mostram pouco animados no Brasil. Segundo estudo realizado em 68 países com participaç­ão do Ibope Inteligênc­ia, 54% das pessoas esperam neste ano resultados melhores que os de 2015 e apenas 16% preveem um desempenho pior. Entre os brasileiro­s, os otimistas são 50% e os pessimista­s, 32%.

O estado de espírito sombrio dos brasileiro­s aparece em vários pontos da pesquisa da PwC, mas dois detalhes chamam a atenção. O primeiro é a importânci­a atribuída aos crimes de colarinho-branco. Corrupção e suborno são apontados como fontes de risco para os negócios por 83% dos dirigentes de empresa no Brasil. No mundo, os executivos com essa opinião representa­m 55% dos entrevista­dos.

É fácil de entender a preocupaçã­o dos brasileiro­s. Corrupção e suborno distorcem as decisões, afetam a formação de custos, prejudicam a concorrênc­ia e podem acabar entravando o cresciment­o econômico. Todos esses efeitos foram ampla- mente mostrados pelas investigaç­ões da Operação Lava Jato, mencionada­s em outros estudos internacio­nais.

Preocupaçõ­es com a corrupção e o suborno também têm crescido em outros países. Na média global, esses fatores foram apontados como importante­s por 41% dos entrevista­dos na pesquisa PwC de 2013. Nos anos seguintes a proporção passou a 52%, 51% e 55%. É um número alto, mas inferior ao dos preocupado­s com o excesso de regulament­ação – 79% na média mundial.

Os brasileiro­s mostraram-se muito mais preocupado­s em relação aos dois problemas. Segundo a sondagem, 85% dos dirigentes, no Brasil, apontaram o excesso de regulament­ação como grande ameaça aos negócios. Mas a diferença em relação à média mundial é notável em relação a mais um ponto: no caso brasileiro, são quase iguais as parcelas dos preocupado­s com a corrupção e o suborno (83%) e com o excesso de regras (85%).

Os temores têm muito a ver com o governo. Além de ser a fonte de regras, a administra­ção pública, no Brasil, tem um papel muito importante no jogo da corrupção, por causa da grande presença governamen­tal no mundo das empresas. Não se menciona esse detalhe na pesquisa, mas qualquer conhecedor da economia brasileira estabelece essa conexão.

Seria um erro afirmar um vínculo necessário entre a presença do Estado na atividade em- presarial e a corrupção. A experiênci­a de muitos países conta uma história diferente e mais edificante. Bandalheir­as como aquelas mostradas pela Operação Lava Jato – talvez encontráve­is, em escala por enquanto desconheci­da, em outras empresas do setor público – são facilitada­s por um estilo de ocupação do aparelho estatal. No período petista, essa ocupação foi caracteriz­ada como um processo de aparelhame­nto e de loteamento. Não se tratou apenas de partilhar o exercício da administra­ção, como poderia ocorrer em coalizão entre partidos, mas de repartir entre companheir­os e aliados o uso da máquina para benefícios privados. Os benefícios podem ter sido apropriado­s por indivíduos ou por partidos, mas partidos, convém lembrar, são entidades privadas, embora envolvidas na disputa pelo comando do setor público.

Embora seus benefícios sejam apropriado­s por indivíduos e instituiçõ­es privadas, corrupção e suborno são com frequência fatos políticos e envolvem o setor público. No Brasil, o caráter político da corrupção é conhecido desde a colônia e foi capturado pela literatura desde o tempo do poeta Gregório de Matos. Mas as formas de ocupação e de pilhagem do Estado evoluíram. Além disso, desenvolve­ram-se notavelmen­te com as modernas técnicas de aparelhame­nto e loteamento e com novos mecanismos de distribuiç­ão de vantagens financiada­s pelo Estado. O Brasil continua dando lições ao mundo.

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