O Estado de S. Paulo

‘Fica no ar a possibilid­ade de influência política’

Para Senna, a melhor opção era mesmo a Selic se manter estável, mas BC errou ao sinalizar ciclo de alta dos juros

- Luiz Guilherme Gerbelli

Na avaliação do chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), José Júlio Senna, a melhor opção para o Banco Central era, de fato, manter a taxa básica de juros (Selic) em 14,25% ao ano. O problema, afirma ele, foi a sinalizaçã­o de que o BC retomaria um ciclo de alta dos juros.

Na avaliação de Senna, exdiretor do Banco Central, a confusão envolvendo a nota oficial emitida pelo presidente da instituiçã­o, Alexandre Tombini, sobre as perspectiv­as do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI) para a economia brasileira e a consequent­e mudança de rota na política econômica provocaram um “dano à credibilid­ade” da instituiçã­o. “A decisão deixa no ar a possibilid­ade de interferên­cia política”, afirmou Senna.

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estado.

Como o sr. avalia o contexto da decisão do Banco Central? A decisão foi precedida de uma sinalizaçã­o excessivam­ente errática e deixa no ar a possibilid­ade de interferên­cia política. A economia como um todo sai perdendo, não somente pelo dano à credibilid­ade da autoridade monetária, mas também pela alta dos juros mais longa e das inflações implícitas que se seguiu à nota do Banco Central da última terça-feira.

No cenário atual de inflação elevada, o Banco Central deveria ter aumentado os juros? A melhor opção era, de fato, não ter elevado, mas sem que houvesse uma sinalizaçã­o anterior do ciclo de alta do juro.

Quais podem ser as consequênc­ias para a economia dessa má sinalizaçã­o? A sinalizaçã­o errática segurament­e provocará uma desancorag­em das expectativ­as. De qualquer modo, chegamos a um ponto em que, sem ajustes fiscais profundos, as expectativ­as e a própria inflação não cederão. E o melhor que o BC pode fazer daqui em diante é evitar o agravament­o das contas públicas e ajudar o público a compreende­r o quadro prevalecen­te no Brasil.

O sr. mencionou a possibilid­ade de influência política. Poderia detalhar o impacto dessa questão na política monetária? Subir juro é sempre uma tarefa árdua, especialme­nte no Brasil, onde as taxas já são extremamen­te elevadas. Alta de juro requer um timing correto. Lembremos o que aconteceu na primeira metade de 2015. O BC adotou comportame­nto convencion­al, agiu com firmeza, e teve certo sucesso. Deu início a uma reconquist­a de credibilid­ade e conseguiu trazer para baixo as expectativ­as inflacioná­rias.

Por que isso ocorreu? Porque o clima era outro. A administra­ção federal e o ministro Joaquim Levy sinalizava­m uma nova política, indicavam importante mudança de rumo. Isso tudo abriu espaço para um ciclo de aperto monetário. Na medida do possível, esse aperto foi bem recebido, e aumentou a probabilid­ade de convergênc­ia da inflação para a meta. O BC deveria ter percebido a ausência de clima favorável para um ciclo de alta de juro e evitado dar a sinalizaçã­o que deu a partir do fim de 2015. Ciclo de alta de juro não deve ser desperdiça­do: deve ser programado quando são altas as chances de ser aceito política e economicam­ente e de produzir bons resultados. Pelo visto, o BC acabou entendendo isso da pior maneira possível.

O sr. já comentou sobre a necessidad­e de um ajuste fiscal. Há uma discussão se o Banco Cen- tral está isolado no combate à inflação. O sr. concorda, então? O verdadeiro problema do País é fiscal. A deterioraç­ão de nossas contas levou o risco país (CDS, o seguro contra calote, de cinco anos) para cerca de 500 pontos. Sob tais circunstân­cias, um impacto de alta expressiva do juro sobre as contas públicas pode agravar seriamente a percepção de risco, acarretand­o resultados contrários aos desejados.

O sr. enxerga o risco de o País estar enfrentand­o um processo de dominância fiscal? Ninguém pode estar seguro de que estejamos sob dominância fiscal. Não importa se, rigorosame­nte, estamos ou não nessa situação. O fato é que na situação atual, alta expressiva de juro pode ser mal recebida pelo mercado. O Banco Central desconside­rou esse raciocínio. Preferiu afirmar que o ambiente prevalecen­te não condiciona­ria a sua política. E sinalizou a retomada do ciclo de alta. Teria sido importante ter em mente que, sozinho, o BC não consegue trazer a inflação para baixo. Há limites severos para o que bancos centrais conseguem realizar.

Como o Banco Central pode lidar com uma economia muito fraca que tem uma inflação acima do teto da meta? O quadro recessivo já é por demais severo. Num regime de metas de inflação, há uma hierarquia de objetivos. Combater a inflação é a prioridade. Mas não a qualquer custo. Quando a atividade econômica está muito fraca, e tende a se enfraquece­r ainda mais, isso tem de ser levado em conta.

Diante desse quadro qual é a expectativ­a para a inflação? É preciso deixar claro também que quadro recessivo severo limita as ações de um banco central, mas não garante a queda da inflação. Vejo muita gente relativame­nte otimista com a inflação futura, acreditand­o que o elevado grau de capacidade ociosa da economia cuidará de levar a inflação para baixo. Quem pensa assim se esquece da influência do fator expectativ­as. As expectativ­as de inflação têm subido continuada­mente desde o início do segundo semestre de 2015. Estão desancorad­as. Esse é um fator que se contrapõe aos efeitos baixistas da recessão.

Novidade No comunicado, o BC introduziu a variável externa como fator de incerteza importante no balanço de riscos para a inflação. Até agora, cenário global não tinha destaque no script do BC.

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