O Estado de S. Paulo

‘Body’ disseca as falsas ilusões e a angústia diante da morte

Filme polonês ganhou o Urso de Prata em Berlim com a história de um perito criminal e de sua filha anoréxica

- Luiz Zanin Oricchio

Um perito criminal (Janusz Gajos) não costuma ser impression­ável. Defronta-se com a morte e corpos em decomposiç­ão a cada dia do seu trabalho no Instituto Médico Legal. Ele é personagem de Body, da diretora pol o n e s a Mal g o r z a t a Szumowska, ganhadora do Urso de Prata no Festival de Berlim com este trabalho.

O perito desenvolve­u (talvez como defesa) uma relação fria com o mundo e consigo mesmo. Sua esposa morreu e sua relação com a filha, Olga (Justyna Suwala), é gélida. A garota o detesta, e ele parece não ligar muito para isso. No entanto, terá de se ocupar da moça quando esta desenvolve­r uma série de transtorno­s, incluindo uma anorexia mórbida, que a leva à psiquiatri­a. Como terceiro personagem, surge uma espiritual i s t a , Anna ( Maja Ostas - zewska). Acredita que os mortos se preocupam com os vivos e procuram ajudá-los em seus problemas. Tanto Olga como o pai se negam a acreditar nisso.

Dirigido de maneira sóbria e em cores pastéis, Body expressa aquela seriedade associada à Europa Central. São clichês, mas, enfim, falam de relações pessoais distanciad­as, clima de pouca luz, aprofundam­ento intelectua­l e certa melancolia existencia­l. De qualquer forma, lugares-comuns ou não, são essas caracterís­ticas que se encontram em Body.

O filme ( Cialo, no original) não tem esse nome por acaso. Diz respeito à relação das pessoas com o próprio corpo e com o corpo alheio. Não exatamente no sentido sensual, mas de maneira mais grave. Dessa forma, não é por acaso que o perito viva do exame de cadáveres cujas mortes envolvem algo de suspeito. Um crime, talvez, ou um suicídio. Nem por acaso que Olga somatize suas angústias nessa agressão ao corpo próprio que consiste em priválo de alimento suficiente para que se sustente. E, muito menos por acaso, que a terceira personagem, a da vidente, busque uma continuida­de entre os seres, mesmo após a finitude orgânica do indivíduo.

A operação intelectua­l da diretora Malgorzata será a de esmiuçar as angústias e incertezas presentes em todos esses fatos. Pode-se deduzir que o ponto de vista da cineasta não parece nada complacent­e com quem se empenha em fornecer confortos ilusórios aos que sofrem. É, tudo somado, uma posição de cunho iluminista.

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DIVULGAÇÃO Trauma. Olga (Justyna Suwala) sofre com a perda da mãe

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