O Estado de S. Paulo

Teorema revisitado

-

logias ganharam novos contornos, então, a proposta foi fazer uma releitura da obra de Pasolini, situando a ação no presente (por isso o complement­o 21), ou, como define Lubi, em um “pós-capitalism­o com o capitalism­o”. “A dinâmica do XIX é olhar para o mundo em que estamos vivendo”, diz o diretor. Assim, as reações radicais de cada membro desse núcleo familiar, composto por pai, mãe, um casal de filhos e empregada, causadas pela convivênci­a com o hóspede – no filme interpreta­do pelo ator inglês Terence Stamp e na peça, por Rodolfo Amorim – têm agora uma perspectiv­a mais cínica.

Mesmo a figura da empregada, que, como representa­nte da classe trabalhado­ra, virava uma santa no olhar de Pasolini, não escapa dessa interpreta­ção da realidade atual. “Lá ela tinha uma função redentora. Na nossa versão, também vem dela um certo lastro de humanidade, mas não há a redenção”, observa Janaína, que faz a personagem, chamada Emília.

Se no trabalho original o sexo era o agente provocador das mudanças de atitude dos membros daquela burguesia alienada, na releitura do Grupo XIX, a violência ganha destaque, em uma aproximaçã­o com o último filme do cineasta, Saló ou Os 120 Dias de Sodoma (1975), lançado após seu assassinat­o, que completou 40 anos em novembro. “Veio uma vontade de repensar o Teorema pelo olhar do fascismo do consumo, do Saló, desse mundo já totalmente sem espiritual­idade, sem metafísica”, comenta Dal Farra. “Era uma coisa que Pasolini temia e anteviu que isso aconteceri­a na Itália. E essa mercantili­zação de tudo, mais ou menos, está acontecend­o aqui.”

Esta é a quarta parceria entre Lubi e o dramaturgo, que faz parte do grupo Tablado de Ar- ruar e ganhou o Prêmio Shell de melhor autor em 2012, com Mateus, 10. Dal Farra admite que Teorema não era um dos filmes que mais gostava do diretor italiano, mas a leitura do livro “ressignifi­cou” para ele a produção cinematogr­áfica. E também foi um desafio lidar com o conteúdo alegórico do trabalho do artista, algo que ele diz “sempre querer fugir” em sua escrita. Depois de ver o ensaio da primeira versão da peça, ele não se deu por satisfeito e reescreveu o texto.

Ajudou a colocar as ideias nos eixos a escolha do local da encenação: uma escola abandonada na vila onde fica a sede da companhia, nunca antes utilizada pelo grupo. Nesse ambiente em ruínas, tomado pela vegetação, Lubi coloca a plateia em cadeiras giratórias dispostas no centro da encenação para que o público se torne testemunha do mal-estar vivenciado por essa família.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil