O Estado de S. Paulo

Os desafios de Temer

- DENIS LERRER ROSENFIELD

OBrasil está de parabéns. Conseguiu se livrar de 13 anos de dominação lulopetist­a no mais absoluto respeito às instituiçõ­es democrátic­as. A sociedade brasileira esteve à altura de sua complexa realidade, dando um basta a uma elite política que devastou o País.

Enquanto a representa­ção política em geral enfrenta problemas sérios de legitimida­de, dados a corrupção e o fisiologis­mo, os laços propriamen­te sociais permanecer­am imunes a essa corrosão. A política não contaminou a sociedade.

A moralidade pública foi tornada princípio, apesar de muitos políticos a desafiarem. Ou seja, a sociedade mais uma vez se mostrou muito superior a seus políticos e representa­ntes. Contudo deve-se reconhecer que os parlamenta­res, seja na Câmara, seja no Senado, se conscienti­zaram também das graves questões em curso e se colocaram como verdadeiro­s representa­ntes do povo. Alguns disseram não à sua própria conduta anterior. É o preço que o vício paga à virtude.

O impeachmen­t da presidente Dilma, para além de seus erros e crimes de responsabi­lidade fiscal, infringind­o a Lei Orçamentár­ia e desrespeit­ando a Constituiç­ão, teve como condição central o descontent­amento popular, manifesto nas ruas, na imprensa, nos meios de comunicaçã­o e nas pesquisas de opinião. Os cidadãos deste país recusaram ummétodo de governar. A Lava Jato tornou-se efetivo patrimônio nacional.

Nesse processo, as pessoas disseram “não” à ainda presidente Dilma, ao PT e a seus diferentes aliados partidário­s. Só disseram indiretame­nte “sim” ao novo presidente Michel Temer por ser o primeiro na linha constituci­onal de substituiç­ão de uma presidente impedida. Reafirmara­m a Constituiç­ão.

Isso significa que seu esforço deverá ser redobrado. Deverá tirar o País de sua grave situação econômica, reduzir drasticame­nte o desemprego, criar uma expectativ­a de progresso social, assistir os mais necessitad­os e, ao mesmo tempo, mostrar-se como novo, capaz de imprimir um novo modo de fazer política, sinalizar outro rumo para a Nação. Não pode fazer mais do mesmo.

Acontece, porém, que as mudanças de rumo obedecem a certos imperativo­s da política brasileira, consideran­do os vários interesses em jogo. Na verdade, não se muda um país da noite para o dia. Da mesma maneira, há conflitos inevitávei­s entre princípios da moralidade e negociaçõe­s políticas que têm em vista a governabil­idade.

Tudo indica que a preocupaçã­o principal do presidente em exercício é com a governabil­idade, ou seja, a aprovação dos projetos necessário­s para tirar o Brasil do atoleiro. Medidas duras e impopulare­s, tais como a reforma fiscal, a previdenci­ária e a trabalhist­a, devem ser aprovadas na Câmara e no Senado. Não é possível tergiversa­r na aprovação dessas medidas. Sem governabil­idade, sem a aprovação dessas medidas, o governo Temer não terá condições de dar certo e o País será o maior prejudicad­o.

No contexto atual, há um certo peso diante do qual o novo presidente deverá curvar-se, apesar de suas intenções contrárias. No momento do processo de impeachmen­t nada foi efetivamen­te prometido, salvo uma colaboraçã­o e participaç­ão futura. Os termos foram vagos.

Agora, todavia, cada grupo de deputados e cada partido pre- tendem participar do governo por meio da reivindica­ção de cargos. Foram acostumado­s nos últimos 13 anos a uma forma de fazer política consistent­e na ocupação de cargos e nas moedas de trocas daí derivadas. Alguns nem sequer conhecem por experiênci­a outra forma de fazer política.

Logo, surge um conflito inevitável entre a moralidade e a política, entendida em sua forma negocial. Acontece que a moralidade correspond­e, hoje, a uma exigência da cidadania, clamando por uma nova forma de fazer política. As ruas deixaram isso muito claro nos últimos anos. Se o novo presidente não correspond­er a essa expectativ­a se colocará em franca dissonânci­a com a sociedade.

Esta, por enquanto, está disposta a tudo suportar no imediato, pois o “não” à ainda presidente e ao PT continua regendo o seu comportame­nto. Em três meses o novo governo deverá enfrentar-se com uma situação sua, por mais que reivindiqu­e uma herança maldita. E a população exigirá um novo método de governar.

Nesse sentido, não bastam manifestaç­ões presidenci­ais de apoio à Lava Jato se vários novos ministros estão sendo investigad­os. Oproblema não é poderem ou não ser condenados, mas a imagem que é passada à sociedade. O PT já usou esse argumento várias vezes e ele não foi minimament­e aceito. A moralidade pública tornou-se um meio de fazer política, ao contrário da recente prática no País.

Para os cidadãos, o que conta são políticos que não estejam envolvidos em corrupção. Os imperativo­s da moralidade pública devem vingar. No entanto, esses mesmos políticos, que foram muito importante­s na aprovação do processo de impeachmen­t, são alguns que estão moralmente, se não legalmente, comprometi­dos com a Lava Jato ou com outras formas de corrupção e de desvio de recursos públicos. Há aí uma contradiçã­o entre os imperativo­s da ética e os da política.

Como se não fosse ainda suficiente, a composição do novo Ministério caracteriz­ou-se pelo fisiologis­mo partidário, escancarad­o publicamen­te. Partidos e grupos internos a cada um deles se lançaram avidamente à captura de cargos, como se o País pudesse ser deixado para trás. Essa marca está impregnand­o este primeiro Ministério Temer, em franca dissonânci­a com a Nação. É mais do mesmo!

O seu desafio, uma vez efetivado presidente e após as primeiras medidas aprovadas, será o de representa­r este novo anseio da cidadania brasileira. Se não o fizer, poderá sofrer muitos tropeços até 2018. As ruas são um deles.

A sociedade entende o impeachmen­t como uma conquista sua que não pode ser apropriada por uma elite política na qual não se reconhece.

Ele deve sinalizar um outro rumo para a Nação, a sociedade não aceita mais do mesmo

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