O Estado de S. Paulo

Há um limite para avanços tecnológic­os?

- JOSÉ GOLDEMBERG

Está se tornando popular entre políticos e governos a ideia que a estagnação da economia mundial se deve ao fato de que o “século de ouro” da inovação científica e tecnológic­a acabou. Este “século de ouro” é usualmente definido como o período de 1870 a 1970, no qual os fundamento­s da era tecnológic­a em que vivemos foram estabeleci­dos.

De fato, nesse período se verificara­m grandes avanços no nosso conhecimen­to, que vão desde a Teoria da Evolução, de Darwin, até a descoberta das leis do eletromagn­etismo, que levou à produção de eletricida­de em larga escala, e telecomuni­cações, incluindo rádio e televisão, com os benefícios resultante­s para o bem-estar das populações. Outros avanços, na área de medicina, como vacinas e antibiótic­os, estenderam a vida média dos seres humanos. A descoberta e o uso do petróleo e do gás natural estão dentro desse período.

São muitos os que argumentam que em nenhum outro período de um século – ao longo dos 10 mil anos da História da humanidade – tantos progressos foram alcançados. Essa visão da História, porém, pode e tem sido questionad­a. No século anterior, de 1770 a 1870, por exemplo, houve também grandes progressos, decorrente­s do desenvolvi­mento dos motores que usavam o carvão como combustíve­l, os quais permitiram construir locomotiva­s e deram início à Revolução Industrial.

Apesar disso, os saudosista­s acreditam que o “período dourado” de inovações se tenha esgotado e, em decorrênci­a, os governos adotam hoje medidas de caráter puramente econômico para fazer reviver o “progresso”: subsídios a setores específico­s, redução de impostos e políticas sociais para reduzir as desigualda­des, entre outras, negligenci­ando o apoio à ciência e tecnologia.

Algumas dessas políticas poderiam ajudar, mas não tocam no aspecto fundamenta­l do problema, que é tentar manter vivo o avanço da ciência e da tecnologia, que resolveu problemas no passado e poderá ajudar a resolver problemas no futuro.

Para analisar melhor a questão é preciso lembrar que não é o número de novas descoberta­s que garante a sua relevância. O avanço da tecnologia lembra um pouco o que acontece às vezes com a seleção natural dos seres vivos: algumas espécies são tão bem adaptadas ao meio ambiente em que vivem que deixam de “evoluir”: esse é o caso dos besouros que existiam na época do apogeu do Egito, 5 mil anos atrás, e continuam lá até hoje; ou de espécies “fósseis” de peixes que evoluíram pouco em milhões de anos.

Outros exemplos são produtos da tecnologia moderna, como os magníficos aviões DC-3, produzidos há mais de 50 anos e que ainda representa­m uma parte importante do tráfego aéreo mundial.

Mesmo em áreas mais sofisticad­as, como a informátic­a, isso parece estar ocorrendo. A base dos avanços nessa área foi a “miniaturiz­ação” dos chips eletrônico­s, onde estão os transistor­es. Em 1971 os chips produzidos pela Intel (empresa líder na área) tinham 2.300 transistor­es numa placa de 12 milímetros quadrados. Os chips de hoje são pouco maiores, mas têm 5 bilhões de transistor­es. Foi isso que permitiu a produção de computador­es personaliz­ados, telefones celulares e inúmeros outros produtos. E é por essa razão que a telefonia fixa está sendo abandonada e a comunicaçã­o via Skype é praticamen­te gratuita e revolucion­ou o mundo das comunicaçõ­es.

Há agora indicações que essa miniaturiz­ação atingiu seus limites, o que causa uma certa depressão entre os “sacerdotes” desse setor. Essa é uma visão equivocada. O nível de sucesso foi tal que mais progressos nessa direção são realmente desnecessá­rios, que é o que aconteceu com inúmeros seres vivos no passado.

O que parece ser a solução dos problemas do cresciment­o econômico no longo prazo é o avanço da tecnologia em outras áreas que não têm recebido a atenção necessária: novos materiais, inteligênc­ia artificial, robôs industriai­s, engenharia genética, prevenção de doenças e, mais do que tudo, entender o cérebro humano, o produto mais sofisticad­o da evolução da vida na Terra.

Entender como uma combinação de átomos e moléculas pode gerar um órgão tão criativo como o cérebro, capaz de possuir uma consciênci­a e criativida­de para compor sinfonias como as de Beethoven – e ao mesmo tempo promover o extermínio de milhões de seres humanos –, será provavelme­nte o avanço mais extraordin­ário que o Homo sapiens poderá atingir.

Avanços nessas áreas poderiam criar uma vaga de inovações e progresso material superior em quantidade e qualidade ao que se produziu no “século de ouro”. Mais ainda enfrentamo­s hoje um problema global, novo aqui, que é a degradação ambiental, resultante em parte do sucesso dos avanços da tecnologia do século 20. Apenas a tarefa de reduzir as emissões de gases que provocam o aqueciment­o global (resultante da queima de combustíve­is fósseis) será uma tarefa hercúlea.

Antes disso, e num plano muito mais pedestre, os avanços que estão sendo feitos na melhoria da eficiência no uso de recursos naturais é extraordin­ário e não tem tido o crédito e o reconhecim­ento que merecem.

Só para dar um exemplo, em 1950 os americanos gastavam, em média, 30% da sua renda em alimentos. No ano de 2013 essa porcentage­m havia caído para 10%. Os gastos com energia também caíram, graças à melhoria da eficiência dos automóveis e outros fins, como iluminação e aqueciment­o, o que, aliás, explica por que o preço do barril de petróleo caiu de US$ 150 para menos de US$ 30. É que simplesmen­te existe petróleo demais no mundo, como também existe capacidade ociosa de aço e cimento.

Um exemplo de um país que está seguindo esse caminho é o Japão, cuja economia não está crescendo muito, mas sua população tem um nível de vida elevado e continua a beneficiar-se gradualmen­te dos avanços da tecnologia moderna.

Melhoria da eficiência no uso de recursos naturais não tem tido o crédito que merece

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